Direito Socioambiental - Proteção da diversidade biológica e cultural
dos povos Indígenas
Trabalho de
Conclusão Semestral como requisito parcial à obtenção do grau de Jornalismo,
Propaganda e Publicidade do Centro Universitário Cruzeiro do Sul - Campus
Liberdade.
Orientador: Profa. Ms. Sonia Berti
Monografia aprovada como requisito parcial
para obtenção do grau de Lincenciatura em Jornalismo, Propaganda e Publicidade,
pela Banca Examinadora formada pelos professores:
Profa. Ms. Regina Tavares
Orientadora
Profa. Ms. Sonia Berti
São Paulo, Abril de 2015.
Aos indígenas, por viverem na luta em
manter viva a mãe natureza e a riqueza
de sua cultura.
"A força indígena vem da cultura, da
espiritualidade e da sua terra. Um povo que não tem cultura, não tem
identidade. Um povo sem espiritualidade, não conhece a natureza. Um povo que
não tem terra, morre!".
(Marcos Terena)
RESUMO
Desde a colonização européia na América
Latina, os indígenas vêm sofrendo problemas sociais. Estes, por sua vez, foram
aumentando com o passar dos anos, juntamente com a progressiva degradação do
meio ambiente. O presente trabalho demonstra a importância do meio ambiente
para o indígena e aborda os principais problemas sociais que as comunidades
indígenas enfrentam nos dias atuais, explicando que estão diretamente ligados
com a diminuição de suas terras e com a destruição da natureza. Assim, como
forma de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos indígenas,
explica-se o Direito Socioambiental, pois este, dentre outras finalidades, visa
proteger o meio ambiente, bem como os indígenas. Ademais, a fim de estudar
novas políticas públicas, explica-se o etnodesenvolvimento, por ser o melhor
método de desenvolver as comunidades indígenas dentro de suas perspectivas
tradicionais e culturais, protegendo a diversidade biológica e cultural.
Palavras-chave: indígenas, meio ambiente,
direito socioambiental, etnodesenvolvimento.
LISTA DE SIGLAS
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica
COHAPAR – Companhia de Habitação do Paraná
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FUNASA – Fundação Nacional da Saúde
ISA – Instituto Socioambiental
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
SPI – Serviço de Proteção ao Índio
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
RESUMO 6
LISTA DE SIGLAS 7
1 INTRODUÇÃO 10
2 BREVE HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NA
AMÉRICA DO SUL 12
2.1 CONTEXTO DA EUROPA NO FIM DO SÉCULO XV 12
2.1.1 A Situação de Portugal 13
2.1.2 A Situação da Espanha 14
2.1.3 O Início das Grandes Navegações Rumo à
América 15
2.1.3.1 A chegada dos espanhóis na América 16
2.1.3.1.1 Os massacres contra os indígenas
durante o século XVI na América Espanhola 18
2.1.3.2 A “descoberta” do Brasil 21
2.1.3.2.1 A chegada dos portugueses no Brasil
21
2.2 OS INDÍGENAS BRASILEIROS ANTES DA
CONQUISTA PORTUGUESA 22
2.2.1 As conseqüências da conquista para os
indígenas 24
2.3 AS MISSÕES JESUÍTICAS 25
3 O INDÍGENA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 28
3.1 A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO
28
3.2 O ESTATUTO DO ÍNDIO 31
3.2.1 Os índios e a Política do
Integracionismo 33
3.3 BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
DA REPÚBLICA ANTERIORES À DE 1988 34
3.4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 35
3.5 INTRUMENTOS INTERNACIONAIS 37
3.5.1 Convenção 169 da OIT 37
3.5.2 Declaração das Nações Unidas Sobre
Direitos dos Povos Indígenas 39
4 AS COMUNIDADES INDÍGENAS E AS PROBLEMÁTICAS
ATUAIS 41
4.1 DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO
COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS 41
4.1.1 Construção de rodovias e hidroelétricas
43
4.1.2 Intensificação da Agropecuária 45
4.2 O INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A
NATUREZA 46
4.2.1 Privação do Uso da Terra 48
4.2.2 Políticas Assistencialistas 49
4.3 PROBLEMAS ATUAIS 50
4.3.1 Alcoolismo 50
4.3.2 Suicídio 52
4.3.3 Desnutrição 53
5 DIREITO SOCIOAMBIENTAL E ETNODESENVOLVIMENTO
55
5.1 SURGIMENTO DO DIREITO SOCIOAMBIENTAL 55
5.1.1 Convenção sobre Diversidade Biológica 59
5.2 ETNODESENVOLVIMENTO 61
5.2.1 Aplicação da Convenção 169 da OIT para o
etnodesenvolvimento das Comunidades Indígenas 63
5.3 POLÍTICAS PÚBLICAS 64
5.3.1 Projeto Cultivando Água Boa 65
5.3.2 Projeto Waimiri-Atroari 68
6 CONCLUSÃO 71
REFERÊNCIAS..........................................................................................................73
ANEXO 80
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende abordar a proteção da
diversidade biológica e cultural das comunidades indígenas a partir do estudo
do Direito Socioambiental e do Etnodesenvolvimento.
Por meio de apontamentos históricos da
desigualdade humana, com enfoque na questão indígena, mostrar-se-á a degradação
da cultura indígena com o passar dos anos, demonstrando, por outro lado, que os
silvícolas necessitam das terras para a subsistência e para a defesa de seus
costumes, no intuito de garantir a conservação de sua cultura, ressaltando que
os silvícolas não degradam o meio ambiente, mas tão somente fazem uso da terra,
da água e da floresta para a sua subsistência, em harmonia com a preservação do
meio em que vivem.
Discorrer-se-á também sobre os principais
problemas que as comunidades indígenas enfrentam, de como eles foram
ocasionados e as possíveis formas de solucioná-los.
A presente pesquisa pretende, do mesmo modo,
destacar a importância da promulgação da Constituição Federal de 1988 para as
culturas indígenas no Brasil, quando o discurso de proteção com a prática do
integracionismo foi substituído pelo reconhecimento da diversidade cultural
destes povos.
Para isto, a presente pesquisa está dividida
em quatro capítulos, da seguinte forma:
No primeiro capítulo buscar-se-á analisar o
contexto da Europa no fim do século XV e os motivos pelos quais a Espanha e
Portugal chegaram à América. Serão estudados alguns dos massacres contra os
indígenas no período colonial e também sobre as Missões Jesuíticas, que para
muitos foram uma forma de proteção ao índio e para outros foi mais uma das
demonstrações de repúdio à cultura indígena.
No segundo capítulo será realizado breve
estudo acerca da evolução histórica da legislação indigenista, bem como sobre a
Política do Integracionismo, apontando as Constituições Federais, a criação do
Serviço de Proteção ao Índio, a outorga da Lei 6001/73 (Estatuto do Índio),
assim como dos instrumentos internacionais, a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas sobre Direito dos
Povos Indígenas.
O terceiro capítulo visa analisar as
problemáticas atuais das comunidades indígenas, buscando compreender o motivo
pelo qual estes povos sofrem com problemas sociais, fazendo ao mesmo tempo
estudo de como a degradação ambiental contribuiu para a formação destes
problemas.
Assim, no quarto capítulo será estudado o
conceito e o surgimento do Direito Socioambiental e do Etnodesenvolvimento,
abordando de que forma eles podem ser ricas formas de proteção das comunidades
indígenas. Assim, estudar-se-á também que a Convenção sobre a Diversidade
Biológica é um dos meios legais para a aplicação do Direito Socioambiental,
assim como a Convenção 169 da OIT é o instrumento legal que aplica na prática o
Direito Socioambiental e o Etnodesenvolvimento. Neste mesmo capítulo serão
estudados dois projetos que englobam os princípios do Direito Socioambiental,
bem como do Etnodesenvolvimento, quais sejam o Projeto Cultivando Água Boa e o
Projeto Waimiri-Atroari.
2 BREVE HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NA
AMÉRICA DO SUL
2.1 CONTEXTO DA EUROPA NO FIM DO SÉCULO XV
No fim da Idade Média a Europa passou por
diversas crises ligadas às pestes e às guerras. Os Países foram sendo
despovoados e não havia desenvolvimento econômico tampouco social. Segundo
Élisabeth Carpentier e Jean Pierre Arrignon, este período foi o:
Fim de um mundo antigo e princípio de um mundo
novo. Nos séculos XIV e XV, a fisionomia da Europa transformou-se. Pestes,
guerras, recessões e conquistas otomanas arruinaram o equilíbrio antigo,
destruíram o Império Bizantino e abalaram os poderes que estavam aparecendo; no
interior das cidades que polarizavam a rede econômica, e sob a autoridade do
Príncipe que veio informar o Estado moderno, despontava já a aurora de um
Renascimento.
Com o fim das crises, a Europa iniciou,
durante o século XV, o período moderno, com avanço populacional, aumento das
classes burguesas, bem como com o desenvolvimento das trocas comerciais. Para
estas trocas eram utilizados os metais, como o ouro, a prata e o cobre.
Todavia, o metal utilizado para fazer as grandes trocas comerciais, o ouro,
começou a ficar escasso. Assim, o desenvolvimento econômico que os Reis
pretendiam começou a não ser mais possível por conta deste fato.
Durante tal época, os principais produtos
comercializados pela nobreza e pela burguesia européia eram as especiarias, ou
seja, condimentos usados na culinária para proporcionar sabor diferenciado na
comida, ou ainda, utilizados na fabricação de perfumes, óleos e medicamentos,
como a pimenta, a noz-moscada, o gengibre, a canela e o cravo. Porém, devido ao
clima europeu, estes produtos não eram cultivados naquele Continente, sendo
então necessário importá-los da Ásia por meio das navegações.
Como precisavam conquistar novos espaços para
conseguir as especiarias, também era necessário o ouro, como informa Alan
Absire:
Ávidos de ouro, ei-los pois o caminho para
encher os cofres desse metal precioso. Tudo porque falta ouro, porque o menos
acidente, um contrato não cumprido, uma crise de confiança nos sistemas
monetários de troca fundados na palavra ameaçavam as estruturas de todo
edifício ocidental. Sem compromissos com o absoluto, a única conquista é a do
ouro e do poder que lhe confere.
Portanto, era preciso iniciar o processo de
conquistas para os Países europeus conseguirem a principal fonte de poder e de
riquezas: o ouro.
2.1.1 A Situação de Portugal
Neste período, Portugal era um dos Países
europeus com maior desenvolvimento, haja vista ter sido o primeiro País a
centralizar o poder, a ascender a burguesia e a criar uma Escola de Navegações.
Esta, a Escola de Sagres, foi criada em 1417, no município de Sagres, reunindo
vários navegadores, cartógrafos, marinheiros e cosmógrafos, a fim de
desenvolver conhecimentos no campo marítimo para as navegações realizadas à
Ásia em busca das especiarias.
Então, somadas as questões da falta de metais
na Europa, o alto conhecimento dos portugueses na navegação e o desenvolvimento
do País, Portugal estava preparado para iniciar as Grandes Navegações. É o que
demonstra o Professor de História Moderna da Oxford University, J. H. Elliot:
A nova dinastia mantinha vínculos estreitos
com proeminentes comerciantes e era sensível à preocupação que revelavam com a
aquisição de novos mercados e de novas fontes de suprimentos de corantes, ouro,
açúcar e escravos. Mas aventuras ultramarinas de Portugal no fim do Século XV
também eram guiadas por outros interesses, às vezes contraditórios. A nobreza
procurava no ultramar novas terras e novas fontes de riquezas.
Assim sendo, consoante o mesmo autor, Portugal
já em 1460 penetrou cerca de 2500 quilômetros na costa oeste da África e
avançou para o Atlântico, estabelecendo sua presença nas ilhas de Madeira, dos
Açores e de Cabo Verde.
2.1.2 A Situação da Espanha
A Espanha, por sua vez, com o fim da Guerra da
Reconquista, em 1492, que expulsou os mouros da Península Ibérica, passou a ter
suas cidades abertas para vastas perspectivas comerciais, conforme foi
explicado por Elliot:
A Reconquista – o grande movimento dos reinos
cristãos da Península Ibérica para o sul, para regiões mantidas pelos mouros –
ilustra um pouco a ampla gama de possibilidades nas quais se poderiam buscar
precedentes. Travada ao longo da fronteira que dividia o Cristianismo do Islã,
a Reconquista foi uma guerra que ampliou os limites da fé. Foi também uma
guerra em busca de expansão territorial, conduzida e regulamentada, mesmo que
nem sempre controlada, pela coroa espanhola e pelas grandes ordens
religioso-militares, que no processo, obtinha vassalos junto com vastas áreas
de terra. Foi uma típica guerra de fronteira, numa tática de ataques e
específicos em busca de saques fáceis, oferecendo oportunidades de lucro com
resgates e escambos, e de recompensas mais intangíveis, como honra e fama.
Com o fim desta fase, os espanhóis não
possuíam mais a problemática dos saques e do clima de guerra, então estavam
finalmente dispostos a avançar a economia e a se desenvolver. Por isso é que,
baseados na experiência de Portugal de avançar o além-mar, a Espanha, em 1492,
mesmo ano em que encerrou a referida Guerra, decidiu iniciar as navegações.
2.1.3 O Início das Grandes Navegações Rumo à
América
Cristóvão Colombo, genovês, conheceu o mar com
quatorze anos e participou de expedições marítimas comerciais nas quais os
comerciantes genovenses vendiam lã e compravam açúcar e especiarias. Desta
forma, aprendeu a navegar e passou a interessar-se pela cartografia. A partir
de então, gestou a idéia de alcançar o “fim do Oriente.” Para isso, passou a
ser exímio conhecedor das navegações e começou a traçar uma rota de navegação,
passando do Oriente ao Ocidente pelo Oceano Pacífico, como elucida Fredéric
Mauro:
A sua nova profissão predispõe-no para
investigações eruditas. Lê muito: a geografia de Ptolomeu, por exemplo. O
manuscrito do astrônomo alexandrino (século II d. C.) fora reencontrado no
começo do século XV: descrevia o mundo conhecido dando, para todos estes
lugares, as suas coordenadas em graus; a edição em princeps, utilizada por
Colombo, possuía 27 cartas. Apoiando-se em Aristóteles, afirma a esfericidade
da Terra e pretende que mesmo oceano banha as costas da Espanha e as da Ásia, o
que leva Colombo a tentar calcular a largura deste oceano. A sua conclusão;
‘entre o fim do Oriente e o fim do Ocidente não existe mais que um pequeno mar.
A Espanha, que estava disposta a iniciar as
navegações, decidiu apoiar a idéia de Cristóvão Colombo, por meio da Rainha
Isabel de Castela. François Lebrun narra este fato, até a data em que Colombo
partiu das terras européias:
Cristóvão Colombo, supondo – mas erroneamente
– que o Japão e a China se encontravam perto da Europa, pensou, por sua vez,
que seria possível atingi-los directamente navegando para oeste. Convenceu
Isabel de Castela do interesse do seu projecto e a rainha aceitou financiar-lhe
a expedição. Colombo partiu a 3 de agosto de 1492 com três caravelas, fez-se a
oeste e alcançou terra a 12 de outubro, persuadido de ter chegado à Ásia.
Tinha, porém, desembarcado numa das ilhas Bahamas, num ponto a que depois se
chamou de San Salvador. Durante as três viagens que depois realizou, tocou em
algumas das Antilhas e também no litoral do próprio continente americano.
Morreu em 1506 em Valladolid sem suspeitar, ao que parece, que não havia
chegado às Índias da Ásia mas que, em vez disso, tinha descoberto um mundo até
então desconhecido pelos Europeus. No entanto, depressa a verdade veio à tona e
no ano de 1507 um cartógrafo baptizava esse novo mundo com o nome de América –
do nome de um navegador que sucedeu a Colombo, Amerigo Vespucci.
Desta forma, pela primeira vez os europeus
chegaram à América e então iniciou-se o processo de conquista do denominado
“Novo Mundo”.
2.1.3.1 A chegada
dos espanhóis na América
O Frei espanhol Bartolomé de Las Casas
acompanhou a conquista espanhola da América e descreveu os primeiros contatos:
As Índias foram descobertas no ano de mil e
quatrocentos e noventa e dois e povoadas pelos espanhóis no ano seguinte. A
primeira terra em que entraram para habitá-la foi a grande e mui fértil Ilha
Espanhola ; essa ilha tem seiscentas léguas de circuito. Há ao redor dela e nos
seus confins, outras grandes e infinitas ilhas que vimos povoadas e cheias de
seus habitantes naturais, o mais que o possa ser qualquer outro País no mundo.
A terra firme, que está desta ilha à uma distância de 250 léguas, ou mais, tem
de costa marítima mais de 10 mil léguas descobertas e outras se descobrem todos
os dias, todas cheias de gente como um formigueiro de formigas. De tal modo que
Deus parece ter colocado nesse País o abismo ou a maior quantidade de todo
gênero humano.
O gênero humano que o Frei espanhol cita são
os chamados indígenas. Deram este nome aos habitantes do Novo Mundo por
acreditarem que estavam em terras Indianas.
Carlos Frederico Marés de Souza Filho conta
que os europeus sabiam da existência de pessoas naquela região, todavia
acreditavam serem pessoas selvagens e indignas, como se segue:
As novas terras de América foram achadas, ou
descobertas como se diz hoje, em momento de expansão européia e, provavelmente,
já se sabia não só de sua existência, como de homens e mulheres vivendo. Os
primeiros relatos não expressam surpresa com o encontro de gentes, mas com seus
costumes, sua beleza e sua mansidão. Seguramente a idéia que se fazia na Europa
era de homens e mulheres selvagens, violentos e desumanos, praticamente
animais. Todos os primeiros relatos são pródigos de elogios à terra e às gentes
e não se cansam de enaltecer a humanidade dos habitantes, inclusive sua beleza
física, sua saúde e solidariedade.
Assim, os europeus estavam diante de um
cenário oposto àquele que imaginaram, haja vista estarem diante de criaturas
não selvagens e totalmente ligadas com a natureza e com os homens, como narrou
Jean-Jacques Rousseau:
A terra, abandonada à sua fertilidade natural
e coberta de florestas imensas que o machado jamais mutilou, oferece a cada
passo celeiros e abrigos aos animais de toda espécie. Os homens, dispersos
entre eles, observam, imitam sua indústria e se elevam, assim, até ao instinto
das feras; com a vantagem de que cada espécie só tem o seu próprio, e o homem,
não tendo talvez nenhum que lhe pertença, se apropria de todos, nutre-se ele
igualmente da maior parte dos alimentos diversos partilhado entre os outros
animais e encontra por conseguinte sua subsistência mais facilmente do que
qualquer dos outros.
Todavia, apesar de ser um ambiente com uma
diversidade biológica muito elevada, o ouro que os espanhóis tanto buscavam era
encontrado em pouca quantidade. Assim, Cristóvão Colombo decidiu começar a
levar os habitantes que viviam naquelas terras, os chamados de indígenas, para
a Europa para serem comercializados como escravos, consoante leciona Elliot:
Esse sonho logo se esfaleceu. A quantidade de
ouro que devia provir do escambo com os índios revelou-se bastante
desapontadora, e Colombo, ancioso por justificar os investimentos a seus
soberanos, tentou complementar a insuficiência com outra mercadoria atraente,
os próprios índios. Ao enviar índios caraíbas para a Espanha para serem
vendidos como escravos, Colombo colocou de forma aguda uma questão que iria
dominar a história da Espanha na América nos cinqüenta anos seguintes: o status
a atribuir à população indígena.
Desta forma, iniciaram-se os massacres contra
os indígenas, que se perduraram por centenas de anos.
2.1.3.1.1 Os massacres contra os indígenas
durante o século XVI na América Espanhola
Com a chegada dos espanhóis, os indígenas
transformaram seu modo de vida, haja vista que viviam em uma mesma rotina há
milhares de anos, a qual se transformou em algumas horas, como ensina Nathan
Wachtel:
O trauma da conquista não se limitava ao
impacto psicológico da chegada do homem branco da derrota dos antigos deuses. O
governo espanhol, ao mesmo tempo em que fazia uso das instituições nativas,
realizava sua desintegração, deixando apenas estruturas parciais que
sobreviveram fora do contexto relativamente coerente que lhes havia dado
sentido. As conseqüências destrutivas da conquista afetaram as sociedades
nativas em todos os níveis: demográficos, econômico, social e ideológico.
Além da transformação da rotina, os indígenas
passaram a ser perseguidos, ganharam novas doenças, às quais não tinham
imunidade, foram torturados e muitos levados como escravos para o continente
europeu.
Os espanhóis conquistaram a América de forma
extremamente violenta. Em alguns Países, como o Peru, havia grande quantidade
de ouro, como relatou Júlio Verne:
A região era povoada; mas o que seduziu
sobretudo os espanhóis, e o que os fez acreditar que tinham chegado ao País
maravilhoso de que tinham falar, era a abundância de ouro e prata, metais que
eram usados não só nas roupas e enfeites dos habitantes, mas também em vasos e
utensílios comuns.
Por esta razão massacraram os indígenas, a fim
de apoderarem-se de todo o seu ouro. Eles eram submetidos a trabalhos forçados
e algumas etnias foram dizimadas pelas guerras, pelas doenças e pelos
massacres, como narram Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda:
O descobrimento das ricas minas de ouro e
prata no México e Peru impulsionou a conquista da América pelos espanhóis.
Entre 1519 e 1540, praticamente todo território continental da América Central
estava em mãos dos espanhóis. Em meados do século XVI havia cerca de 100 mil
europeus na América espanhola. Uma associação desigual definiu a conquista
espanhola. O estabelecimento do trabalho forçado, as doenças, as guerras e os
massacres dizimaram a população indígena.
Os indígenas não eram escravizados, mas eram
considerados encomiendas, ou seja, passaram a ser “encomendados” aos
conquistadores e colonizadores para serem catequizados. Em troca dos
ensinamentos religiosos eles deviam trabalhar constantemente e de forma não
remunerada em suas próprias terras.
O Frei espanhol Bartolomé de Las Casas foi
para a América a fim de ser um encomiendeiro, porém acabou se transformando em
um dos maiores protetores dos indígenas, conforme ensina Eduardo Bueno:
Em 1511, de regresso à Ilha Espanhola, depois
de uma estadia de quatro anos na Espanha, recebeu na localidade de índios,
tornando-se assim encomiendero. Foi nessa condição que escutou o sermão de
Antônio de Montesinos (cujos protestos, meses depois, foram calados por ordem
do superior dominicano Alonso de Loyasa). Apesar de profundamente abatido pela
prédica de Montesinos, Las Casas deu prosseguimento a sua vida de descobridor
conquistador. Dois anos mais tarde, participou da conquista de Cuba, comandada
por Diego Velásquez e Panfilo de Narvaéz. Durante os combates, Narvaéz mandou
degolar sete mil índios nas proximidades de Caonao. Depois dessa conquista, Las
Casas recebeu novas porções de terra e outro repartimiento de índios, em Jaguá,
Cuba. Foi durante sua residência de um ano na ilha que tomou a decisão de
abandonar suas posses, seus lotes de escravos e consagrar sua vida à defesa dos
indígenas do Novo Mundo.
Portanto, passou a dedicar sua vida em prol
dos indígenas. Começou a ser chamado de “Apóstolo dos Índios”, ou “defensor e
protetor universal de todos os indígenas”, como se autodenominava. Escreveu
diversas obras acerca dos massacres contra estes povos. Uma de suas principais
obras foi “Brevíssima Relação da Destruição das Índias”, em que narra diversas
mortandades, entre elas a que se segue:
Certa vez, os índios vinham ao nosso encontro
para nos receber, à distância de dez léguas de uma grande vila, com víveres e
viandas delicadas e toda espécie de outras demonstrações de carinho. E tendo
chegado ao lugar, deram-nos grande quantidade de peixe, de pão e de outras
viandas, assim como tudo quanto puderam dar. Mas eis incontinenti que o Diabo
se apodera dos espanhóis e que passam a fio da espada, na minha presença e sem
causa alguma, mais de três mil pessoas, homens, mulheres e crianças, que
estavam sentadas diante de nós. Eu vi ali tão grande crueldades que nunca
nenhum homem vivo poderá ter visto semelhantes.
No contexto dos massacres, muitas etnias
indígenas da América espanhola foram destruídas, como os Incas no Peru e os
Astecas no México. Porém, Bartolomé de Las Casas foi um dos homens que evitou
maiores barbáries na época colonial, vez que acreditava que todos, inclusive os
indígenas, tinham de ter o direito à vida e à liberdade, como expõe Carlos
Frederico Marés:
Bartolomé de Las Casas, a partir de um
instrumento próprio, entendeu que cada povo, cada ser humano, tinha que ter sua
chancela de viver como povo. Combateu a barbárie que foi a ocupação da América,
o que fez com que ele se tornasse o fundador do Direito
Internacional.(Informação Verbal)
2.1.3.2 A “descoberta” do Brasil
Impulsionados pelo capitalismo e com ganas de
conquistar terras férteis e ricas, conforme já se explicou, Portugal passou a
fazer navegações à Índia, tendo sido Vasco da Gama o principal navegador
português que fazia tal rota. Todavia, em 1500, com elevado cansaço, decidiu
confiar a rota a Pedro Álvares Cabral, um fidalgo e membro da casa real, como
relata H. B Johnson:
A frota de Cabral, formada por treze navios,
seguiu a rota de Vasco da Gama de Lisboa via Canárias até Cabo Verde, mas, após
atravessar as calmarias, foi empurrada para oeste por ventos e correntes do
Atlântico Sul e acabou por avistar, a 22 de abril de 1500, a costa brasileira
perto de Porto Seguro atual.
Era, então, o primeiro contato dos europeus
com terras brasileiras, sem eles saberem, no entanto, que estavam em uma terra
que não era a Índia.
2.1.3.2.1 A chegada dos portugueses no Brasil
Em data de 22 de abril de 1500, Pedro Álvares
Cabral avista terra no horizonte, a qual foi denominada de Monte Paschoal,
local que hoje fica próximo de Porto Seguro, município do sul da Bahia, e então
decide aportar naquelas terras, que passou a ser chamada de Vera Cruz e mais
tarde tornou-se Brasil.
Pero Vaz de Caminha, escritor português e
escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, ao chegar ao Brasil escreveu uma
carta ao Rei Dom Manuel narrando a chegada ao Novo Mundo. Esta carta tornou-se
o principal documento histórico do descobrimento do Brasil. Referido escritor
narra com detalhes o local em que haviam acabado de chegar:
E assim seguimos nosso caminho, por este mar
de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de
abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os
pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de
ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que
dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a
que chamam furabuchos. Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de
terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de
outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos;
ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de
Vera Cruz!
2.2 OS INDÍGENAS BRASILEIROS ANTES DA
CONQUISTA PORTUGUESA
Os povos indígenas que habitavam o Brasil
antes da colonização portuguesa não possuíam escrita; assim, não existem
documentos escritos que expliquem como eram essas comunidades antes do
“descobrimento”, conforme explicam Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda:
A forma de tentar reconstituir a vida dos
nativos antes da chegada dos europeus é, por mais paradoxal que possa parecer,
pelos relatos e crônicas escritos por esses mesmos europeus no período
colonial. Como os povos indígenas da América portuguesa não desenvolveram a
escrita, os principais documentos a respeito de sua história foram elaborados
pelos conquistadores.
A partir de relatos dos descobridores e de
estudiosos do período pode-se concluir a forma com que os indígenas viviam como
sociedade.
Sabe-se que os indígenas não tinham a mesma
visão capitalista dos europeus, haja vista que viviam em uma sociedade na qual
não havia desigualdades, tampouco disputa de poder. Andreza Pierin ressalta
que:
Essas sociedades desenvolveram formas
particulares de manejo dos recursos naturais, que não visam diretamente o
lucro, mas à reprodução cultural e social, além de percepções e representações
em relação ao mundo natural, marcadas pela idéia de associação com a natureza e
a dependência de seus ciclos. Os índios pertencem a uma sociedade cujo fim é a
reprodução da solidariedade e não a acumulação de bens e lucro.
Portanto, estuda-se a forma de viver dos
indígenas que habitavam o País naquela época a partir de relatos de
descobridores, como os trechos da carta endereçada ao Rei D. Manuel escrita por
Pero Vaz de Caminha:
Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E
segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que
haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma,
como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e
cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição
alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada
com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se
aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa
extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta
ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos
alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá,
que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não
quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam,
papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e
carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de
tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o
Capitão vô-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e nós
tornamo-nos às naus.
O texto acima exposto de Pero Vaz de Caminha
demonstra a simplicidade e inocência dos povos indígenas.
Em consonância com a simplicidade e inocência
colocadas por Pero Vaz de Caminha, Luiz Donizete Benzi Grupioni destaca alguns
dos valores mais característicos das sociedades indígenas:
Sociedades indígenas são sociedades
igualitárias, não estratificadas em classes sociais e sem distinções entre
possuidores dos meios de produção e possuidores de força de trabalho. São
sociedades que se reproduzem a partir da posse coletiva da terra e dos recursos
nela existentes e da socialização do conhecimento básico indispensável à
sobrevivência física e ao equilíbrio sócio-cultural dos seus membros.
Deste modo, a partir dos ensinamentos de Luiz
Donizete Benzi Grupioni, pode-se concluir que os indígenas valorizavam a terra
e não degradavam o meio ambiente, haja vista que este era o meio de
sobrevivência das comunidades.
Boris Fausto exemplifica as atividades dos
indígenas como sendo a caça, a pesca, a coleta de frutos, a agricultura, bem
como o artesanato, sendo que todas estas atividades não eram em busca do lucro
como nas sociedades capitalistas, porém o autor não acredita que eles possuíam
consciência de proteger o meio ambiente. Todavia, afirma que:
De qualquer forma, não há dúvida de que, pelo
alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rudimentar de que
dispunham, estavam longe de produzir os efeitos devastadores da poluição de
rios com mercúrio, ou da derrubada de florestas com motosserras,
características das atividades dos brancos nos dias de hoje.
Verifica-se que os indígenas possuíam uma
sociedade extremante diferente da sociedade européia, sendo que esta chegou ao
Brasil com o intuito de obter riquezas e poder, enquanto que os indígenas
somente utilizavam a terra, a água e caçavam para a sobrevivência da espécie.
2.2.1 As conseqüências da conquista para os
indígenas
A partir da chegada dos portugueses no Brasil,
a vida dos indígenas foi transformada. Além do cotidiano e dos costumes,
começou a ser modificado também o meio ambiente, como esclarece Carlos
Frederico Marés de Souza Filho:
Os europeus, especialmente os portugueses e
espanhóis, chegaram na América como se estivessem praticando a expansão de suas
fronteiras agrícolas. Foram chegando, extraindo as riquezas, devastando o solo
e substituindo a natureza por outra, mais conhecida e dominada por eles. As
populações locais viviam do que a aqui tinham, comiam milho ou mandioca,
produziam biju, ricas carnes de animais nativos, aves ou peixes. Aos poucos
foram introduzidas novas comidas, cabras, carneiros, queijos e novas plantas,
cana-de-açúcar, café e beterraba. A introdução de novas essências não poupou
nem mesmo as árvores e os frutos, a tal ponto de se dizer que a natureza foi
substituída.
Diferente do que muitos contam, os indígenas,
assim como os negros, foram escravizados. Darcy Ribeiro relata que eles eram
caçados e apropriados pelos senhores para os servirem. Enquanto que o negro era
utilizado para mão de obra mercantil e de exportação, o índio era utilizado
para transportar cargas, para cultivar gêneros, preparar alimentos, para a caça
e a pesca.
Desta forma o indígena passou a perder seu
espaço e sua liberdade, ficando cada vez mais dependente do “homem branco”, o
que ficou ainda mais marcado com a vinda dos Jesuítas, em meados do século XVI.
2.3 AS MISSÕES JESUÍTICAS
Quando iniciaram as Grandes Navegações, os
europeus, além de objetivarem a busca por riquezas, tinham como finalidade
catequizar um maior número de pessoas em diversos lugares do mundo.
Para o Brasil vieram os Jesuítas, que faziam
parte da ordem religiosa “Companhia de Jesus”, consoante lições de Janete
Burda:
A América recém descoberta, assim como o
Brasil, tiveram a atenção de Santo Inácio de Loyola, que para cá enviou a
primeira missão jesuítica: a de 1549 sob a chefia do Pe. Manoel da Nóbrega. A
meta desta companhia era ministrar a educação religiosa, literária e científica
aos novos povos, aos cristãos, através de seus ‘soldados’. Suas armas: a
persuasão, a eloquência, o conhecimento da doutrina e uma fé inabalável .
Durante as Missões Jesuíticas, que marcaram os
Séculos XVI e XVII, o Brasil tinha como premissa integrar o indígena nos moldes
de uma Sociedade Cristã, fazendo com que ele perdesse suas características
tradicionais e abrisse mão de sua cultura, sua crença e sua língua. Nas
Missões, organizadas pela Companhia de Jesus, as crenças das comunidades
indígenas eram tidas como pecado, sendo-lhes ensinadas as lições Bíblicas e a
Religião Católica. O Historiador Erneldo Schallenberger explica que:
A estratégia para este intento se tornar
possível era a redução das populações nativas dispersas à vida civil e cristã,
organizando-a em povoados, para que viabilizasse a mudança dos seus hábitos,
das práticas sociais e fossem introduzidas novas formas de produção. Para tal
fim foi incumbida a Companhia de Jesus.
Para muitos, as Missões Jesuíticas foram a
primeira forma de proteção que os indígenas receberam, porque nelas eles
recebiam educação, alimentos e moradia. Contudo, foi também uma das formas de
modificação da cultura, posto que a cultura indígena era tida como pecado.
Todavia, de acordo com Jesús Antonio de La
Torre Rangel, o trabalho missionário foi a primeira forma de tutela dos povos
indígenas, haja vista que os consideravam inferiores aos europeus, incapazes
“de defender-se por seus próprios meios, de poder alcançar por si só os níveis
mais altos da cultura, de elaborar por si mesmos a exploração econômica da
região.”
Os indígenas, mesmo
que considerados protegidos dentro das Missões porque nelas não havia pobreza
nem escravidão, foram aos poucos perdendo suas tradições e cultura, tendo em
vista que, conforme Thais Luzia Colaço, os indígenas eram para os europeus:
seres inferiores e incapazes de se
autogovernar; assim, através do regime tutelar das Missões lhes trariam a
civilização e a consequente `humanização`, legitimando a transmissão e a
interferência cultural, inserindo-os em nova ordem sócio-cultural.
Verifica-se então que, a partir daquela época,
os indígenas passaram a ter sua cultura discriminada pelos “não índios”, fato
que existiu expressamente até a promulgação da Constituição Federal de 1988,
como será estudado a seguir.
3 O INDÍGENA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
3.1 A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO
Entre os anos de 1889 e 1906 ao Estado competia
a atribuição de catequizar e civilizar os índios. Durante o período de 1907 a
1908 houve grande polêmica no Brasil, tendo vista a declaração de Hermann Von
Ihering (diretor do Museu Paulista) em que defendia o extermínio dos índios que
resistissem o avanço da civilização, bem como à denúncia feita em Viena em
1908, quando pela primeira vez o Brasil foi acusado de massacrar indígenas.
No período desta declaração feita por Von
Ihering, a população estava encantada com “o bom selvagem”, descrição dos índios
feita por Rousseau. Desta forma, tal declaração causou repercussão mundial.
Darcy Ribeiro, em sua obra “Os Índios e a Civilização”, cita a declaração
daquele que, paradoxalmente, contribuiu para a criação do Serviço de Proteção
ao Índio:
Se se quiser poupar os índios por motivos
humanitários é preciso que se tomem, primeiro, as providências necessárias para
não mais perturbarem o progresso da colonização. Claro que todas as medidas a
empregar devem calcar-se sobre este princípio: em primeiro lugar se deve
defender os brancos contra a raça vermelha. Qualquer catequese com outro fim
não serve. Por que não tentar imediatamente? Se a tentativa não der resultado
algum, satisfazerem-se as tendências humanitárias; então, sem mais prestar
ouvidos às imprecações enfáticas e ridículas de extravagantes apóstolos
humanitários, proceda-se como o ascendente da nossa civilização, visto como não
representam elemento de trabalho e de progresso. Quem escreveu estas linhas
anseia por uma solução, humanitária ou não.
Desta forma, tendo como finalidade a ocupação
da região central e oeste do Brasil e a proteção dos indígenas, o Governo
Federal por meio do Decreto nº 8.072 de 1910 criou o Serviço de Proteção aos
Índios (SPI). Este órgão era subordinado ao Ministério da Agricultura e foi, no
início, dirigido pelo Marechal Cândido Rondon – descendente de índios que
trabalhou para melhorar as condições de vida dos povos indígenas.
Marechal Cândido Rondon é considerado um dos
primeiros defensores das populações indígenas do Brasil, pois sopesava que o
Brasil tinha o dever de proteger estas populações dos efeitos físicos e
culturais desencadeadas pelas expansões da sociedade nacional. Durante toda a
sua trajetória como defensor destes povos, tinha como lema “Morrer se preciso,
matar nunca”, assim conforme Emanuel Fonseca Lima, uma característica marcante
de Rondon é:
o respeito pela autenticidade e valor
indígenas, pregando que estes deveriam ser respeitados. Os índios, dessa forma,
poderiam se beneficiar da cultura brasileira, inclusive dos bens materiais,
podendo escolher livremente quando e como se integraria à sociedade nacional.
A partir do momento da criação do Serviço de
Proteção ao Índio, a igreja deixou de ter papel fundamental na proteção dos
índios, passando então esta responsabilidade ao Estado:
Sua criação mudou profundamente o quadro da
questão indígena no Brasil, tendo a Igreja deixado de ter a hegemonia no
tocante ao trabalho de assistência junto aos índios, de modo que a política de
catequese passou a coexistir com a política de proteção por parte do Estado,
que passou a ser executada por meio do SPI. Além disso, estabeleceu-se uma
maior centralização da política indigenista com a criação do órgão federal,
tendo diminuído o papel que os estados desempenhavam em relação às decisões
sobre o destino dos índios.
Com a criação do SPI, foi instituído um
sistema dual de povoações indígenas e centros agrícolas, foi garantida a
efetividade da posse dos territórios ocupados pelos índios e sua proteção
contra invasões, sendo que também passaram a ser respeitadas as organizações
internas das tribos, sua independência, seus hábitos e instituições.
O Código Civil de 1916 estabelecia que o
indígena era relativamente incapaz, devendo estar sujeito ao regime tutelar e
esta tutela somente cessaria quando estivessem adaptados à civilização do País.
Deste modo, conforme Thais Luzia Colaço, cabia ao Estado tutelar o indígena, o
que passou a ser de atribuição do SPI.
Mesmo havendo outros objetivos impostos pelo
SPI, a principal atribuição deste órgão era de pacificar os indígenas ainda não
contatados e transformá-los em pequenos produtores rurais e, embora tenha
realizado os contatos de forma pacífica, estes contatos geraram inúmeros
problemas às sociedades indígenas, conforme descreve Enio Cordeiro:
Credita-se aos primeiros anos de atividade do
SPI a pacificação dos Kaingang em São Paulo, dos Xokleng em Santa Catarina, e
dos Pataxó na Bahia(...). Embora a dedicação dos funcionários do serviço tenha
logrado a aproximação pacífica com aqueles grupos e evitado o massacre
iminente, os índios terminaram dizimados pelas epidemias trazidas com o
contato.
No entanto, embora existam críticas a respeito
da criação deste órgão, Julio Melatti acredita que com a criação do SPI, o
Brasil passou a ter uma nova política indigenista, diferente daquela imposição
das Missões Jesuíticas. A partir desta criação, conforme o autor, “os índios
passaram a ter o direito de viver segundo suas tradições e a receberem proteção
em seu próprio território”.
Após o SPI ter sido
criado como órgão pertencente ao Ministério da Agricultura, em 1930 foi
transferido ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1934 passou a
pertencer ao Ministério do Exército, sendo que em 1939 retornou ao Ministério
da Agricultura e, por fim, em 1967 passou a fazer parte da jurisdição do
Ministério do Interior, quando então foi extinto.
Destarte, no mesmo ano em que foi extinto o
SPI, foi criado o novo órgão cujo objetivo era de proteger os indígenas, qual
seja a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), por meio da Lei nº 5371/67.
A FUNAI, conforme a Lei que a criou, possui as
seguintes finalidades:
estabelecer as diretrizes da política
indigenista e garantir o seu cumprimento; gerir o patrimônio indígena; fomentar
estudos sobre as populações indígenas que vivem em território brasileiro e
garantir sua proteção; demarcar, assegurar e proteger as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios, exercendo o poder de polícia dentro de
seus limites, para evitar conflitos, invasões e ações predatórias que
representem riscos para a vida e a preservação cultural e do patrimônio
indígena; promover a prestação de assistência médico-sanitária e a educação
elementar para os índios e despertar o interesse da sociedade brasileira pelos
índios e pelos assuntos a eles pertinentes.
Sendo assim, a partir de 1967 o Brasil ganhou
um novo órgão de proteção ao índio, o qual passou a ser formalizado com o
advento da Lei 6001/73, o Estatuto do Índio.
3.2 O ESTATUTO DO ÍNDIO
Em 19 de dezembro de 1973 foi promulgada a Lei
6001, denominada de Estatuto do Índio. A finalidade desta lei está disposta em
seu artigo primeiro:
Art.1º Esta Lei regula a situação jurídica dos
índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar
a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional.
Parágrafo único . Aos índios e às comunidades
indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmo termos em que se
aplicam os demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições
indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei.
De forma inédita, os indígenas passaram a ser
protegidos por lei específica. Mas, embora esta lei tenha como uma de suas
premissas a proteção da cultura indígena, ela dá maior ênfase à integração dos
indígenas à comunhão nacional.
O Estatuto do Índio, em seu artigo 4º,
classifica os índios em isolados, em vias de integração e integrados. Os
isolados são aqueles que não tiveram contato com o não índio ou tiveram pouco
contato. Os índios em via de integração são aqueles que vivem “em contato
intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte
das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de
existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão
necessitando cada vez mais para o próprio sustento”. Os integrados são aqueles
que estão “incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício
dos direitos civis, ainda que conservem seus usos, costumes e tradições
característicos de sua cultura”.
Esta lei regula
ainda, em seus 68 artigos, acerca da questão fundiária, patrimônio cultural,
educação bilíngue, assistência à saúde, normas penais, bem como dos bens e
renda do patrimônio indígena.
Entretanto, como será analisado, a
Constituição Federal de 1988 trouxe para a questão indígena uma nova visão,
onde o Estado deixou de ser integracionista, passando a admitir o
multiculturalismo. Desta forma, o Estatuto do Índio passou a ser incompatível
com a nova Carta Magna.
Assim, em 1992 foram introduzidos na Câmara
três novos projetos de lei visando refazer o Estatuto do Índio. O primeiro
oriundo do Executivo e outros dois originados de grupos de trabalho de
entidades não governamentais, o Conselho Indigenista Missionário e Núcleo de
Direitos Indígenas. Todavia, mesmo com a formação de uma Comissão Especial para
análise dos referidos projetos, passando, em 1994, a chamar o novo compêndio de
“Estatuto das Sociedades Indígenas”. Porém, o projeto ainda não foi aprovado e
continua até a presente data para análise na Câmara.
Este novo projeto, conforme Ana Valéria Araújo
(Informação Verbal) , não visa proteger somente o indígena que vive em aldeia,
mas também aquele que está nas cidades, tratando também sobre os direitos dos
índios em faixa de fronteira, sobre a mineração, bem como sobre a exploração de
recursos naturais (como exemplo a mineração e os recursos hídricos), temas
estes que não são contemplados pelo Estatuto do Índio de 1973.
3.2.1 Os índios e a Política do
Integracionismo
A Política do Integracionismo foi adotada no
Brasil com o fim de integrar os indígenas à comunhão nacional, para que um dia
deixassem de existir diversas culturas em um só País e para que também
deixassem de existir terras com uso exclusivo dos indígenas, terras essas que
não eram consideradas produtivas, tampouco geradoras de rendas. Esta política
foi utilizada desde a colonização, haja vista que os próprios Jesuítas já
possuíam a visão de integrar os índios na sociedade “não índia”,
catequizando-os.
O Estatuto do Índio, de 1973, manteve no
Brasil a política integracionista dos indígenas, o que pode ser visto em seu
artigo 1º, caput:
Esta Lei regula a situação jurídica dos índios
ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua
cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional.
Em uma análise crítica, Orlando Sampaio Silva
acredita que esta legislação assume um caráter contraditório com a própria
preservação do indígena. Veja-se:
O Processo de integração do índio, individual
ou coletivamente, à sociedade nacional, ainda que se pretenda proceder de forma
progressiva e harmoniosamente (conforme o texto da lei), implica, em muitos
casos, a eliminação biológica do índio, ao contato com as enfermidades que
medram na sociedade envolvente; em outros casos conduz à alienação
sócio-cultural do índio, que perde seus padrões culturais, deixando de ser
índio sem tornar-se ‘civilizado’, pela não absorção dos novos padrões a que se
vê exposto. A alienação sócio-cultural conduz à marginalidade social, ao
desequilíbrio psicológico, à ambivalência chegando muitas vezes, por essa via,
às doenças graves e à morte.
Logo, a lei que tem o condão de proteger os
indígenas possui caráter integracionista, ou seja, visa a integrar o índio na
sociedade brasileira o incentiva para que, aos poucos, abandone as suas
características tradicionais.
3.3 BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
DA REPÚBLICA ANTERIORES À DE 1988
A primeira Constituição brasileira foi a de
1824, quando o Brasil ainda era regido pelo sistema imperial. Todavia, somente
110 anos após esta publicação, na Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil de 16 de julho de 1934, é que, pela primeira vez, foi abordada a
questão indígena. Contudo, apenas dois artigos foram reservados para tratar
deste tema, sendo um deles referente à integração do índio à comunhão nacional,
no qual era disposto que:
Artigo 5º - Compete privativamente à União:
XIX – legislar sobre:
m) incorporação dos silvícolas à comunhão
nacional.
O artigo 129 estabelecia “a posse de terras de
silvícolas que nelas se achem permanentemente, sendo-lhes, no entanto, vedado
aliená-las.”
As duas
Constituições seguintes, de 1937 e 1946 tratavam também da questão indígena,
porém sem inovações em referência à Constituição de 1934.
De acordo com Abigail Cristine Carneiro, “em
1967 a Constituição da República Federativa do Brasil inova incluindo as terras
ocupadas pelos índios, entre os bens da União e garantindo aos índios usufruto
exclusivo dos recursos naturais” . Entretanto, ainda era regulada
constitucionalmente a incorporação do índio à comunhão nacional.
3.4 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Quando iniciaram-se os trabalhos da Assembléia
Nacional Constituinte, os movimentos indigenistas começaram a pleitear direitos
para serem colocados na nova Constituição, para que esta pudesse ser mais
desenvolvida no tocante aos direitos dos índios. Conforme Andreza Pierin, os
integrantes destes movimentos participaram não somente de discussões, “mas
assessoraram os parlamentares na elaboração de propostas e emendas
constitucionais, mobilizando a opinião pública em favor dos direitos
indígenas.”
Neste contexto, em
05 de outubro de 1988, quando promulgada a nova Constituição Federal do Brasil,
o direito indígena passou a ser reconhecido constitucionalmente, tendo em vista
a existência de um capítulo específico para tratar dos direitos indígenas e
outros oito artigos referentes aos direitos destes povos, distribuídos em
diferentes títulos.
Ao fazer uma breve crítica à Constituição
Federal e às condições atuais das comunidades indígenas, Gisela Maria Bester
explica que:
Não sei porque na Constituição são os últimos
se deveriam ser os primeiros, haja vista terem sido os primeiros habitantes de
nosso País, e se hoje vivem em condições muitas vezes alvitantes, grande parte
se deve à invasão abusiva do homem branco em seus costumes, em suas tradições
e, principalmente, em suas terras, as quais seguidamente escondem riquezas
(minérios, espécies exóticas de plantas e animais, etc). A Constituição lhes
reservou um Capítulo próprio (o VIII), composto por dois artigos, o 231 e o
232. Este último prevê-lhes uma importante garantia, qual seja, a intervenção
do Ministério Público em todos os atos do processo em que, isoladamente ou por
suas comunidades e organizações estejam pleiteando interesses ou direitos em
juízo.
Portanto, conforme o estudado nas outras
Constituições do Brasil, pela primeira vez uma Constituição Federal Brasileira
teve um largo espaço reservado para tratar dos direitos destes povos, que
tiveram por tantos anos seus direitos violados ou até mesmo inexistentes.
Todavia, conforme José Afonso da Silva, esta Constituição “não alcançou um nível
de proteção inteiramente satisfatório”, tendo em vista que diversos outros
dispositivos referentes à proteção destas comunidades poderiam ter sido
colocados.
Mesmo com algumas falhas, como exposto por
José Afonso da Silva, esta Carta Magna foi inovadora, posto que a partir de
então foi reconhecida a multietnicidade e a pluralidade cultural do País. A Lei
Maior de 1988 assegurou aos índios o direito à diferença, vale dizer, o direito
de serem diferentes e tratados como tais. O artigo 231, caput, da Constituição
Federal dispõe que:
São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens.
Assim, pela primeira vez foi eliminada de uma
Constituição a premissa de incorporar o índio à Comunhão Nacional. Carlos
Frederico Marés de Souza Filho, acerca desta promulgação, analisa que foi a
partir deste momento que o indígena passou a ter o direito de ser índio, de
poder manter suas tradições, sua organização social, seus costumes, suas
línguas e crenças.
Do mesmo modo, Roberto Lemos dos Santos Filho
ressalta que esta Constituição continuou a estabelecer que as terras tradicionalmente
ocupadas pelos indígenas pertencem à União e prevê como dever da União demarcar
as terras indígenas e protegê-las, fazendo respeitar todos os seus bens. O
referido autor ainda explica que a Constituição:
Define como terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, bem como as
utilizadas para suas atividades produtivas e as imprescindíveis à proteção dos
recursos ambientais necessários a seu bem estar e a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Dispõe ainda que tais terras
são inalienáveis e indisponíveis, e seus direitos imprescritíveis,
destinando-se à posse permanente dos índios que tiveram garantido o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes.
Conforme define o artigo 231, § 1º da
Constituição Federal, as terras indígenas são aquelas que:
por eles habitadas em caráter permanente, as
utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Sendo elas “inalienáveis, indisponíveis e os
direitos sobre elas imprescritíveis”, consoante o disposto no artigo 231, § 4º
da Constituição Federal e embora os índios detenham a posse permanente e o
“usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos”, segundo o
artigo 231, §2º da CF, são de patrimônio da União, conforme o artigo 20, inciso
XI do mesmo diploma legal.
Pode-se então concluir que a Constituição
garante aos indígenas o uso de suas terras para fins de subsistência e de
reprodução física e cultural e, garantindo acima de tudo o direito de ser
índio.
3.5 INTRUMENTOS INTERNACIONAIS
3.5.1 Convenção 169 da OIT
A Organização Internacional do Trabalho, desde
o seu surgimento, preocupa-se com a questão indígena, tendo em vista que estes
representavam parte da força de trabalho do domínio europeu no período
colonial. Em 1926 foi criada uma Comissão de Peritos em Trabalho Indígena para
que fossem adotadas medidas para regular essa mão de obra em caráter
internacional. Todavia, em razão da falta de condições de trabalho durante a 2ª
Guerra Mundial, somente em 1957 foi originada a Convenção nº 107, sendo que esta
foi a primeira Convenção de maior relevância a tratar acerca de populações
indígenas e tribais, principalmente no que pertine aos direitos à terra,
condições de trabalho, educação e saúde. Mas esta codificação passou a ser
criticada por ainda conter resquícios de política integracionista.
Assim, durante a pauta das Conferências
Internacionais do Trabalho de 1988 e 1989, foi proposta revisão da Convenção nº
107 “com vista à preservação e sobrevivência dos sistemas de vida dos povos
indígenas e tribais” . Desta forma, foi adotada na 76ª Conferência
Internacional do Trabalho a Convenção nº 169, a qual revê a Convenção anterior,
sendo o primeiro documento internacional que visa proteger e regular os Povos
Indígenas.
Entretanto, no Brasil, esta Convenção tramitou
no Congresso Nacional durante 11 anos, sendo ratificada por meio do Decreto
Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002.
Como ainda não foi aprovado o novo Estatuto
dos Povos Indígenas, esta Convenção é atualmente a melhor legislação no Brasil
que regula a situação indígena em conformidade com a Constituição Federal de
1988.
A partir desta nova legislação, os indígenas
passaram a ter direitos mais específicos em relação à proteção de sua cultura.
Primeiramente, esta Convenção vai de encontro com o pensamento do
integracionismo, uma vez que defende o multiculturalismo e preceitua em seu
artigo 5º, alínea “a”:
Deverão ser
reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais, religiosos
e espirituais próprios dos povos mencionados e dever-se-á levar na devida
consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto
coletiva como individualmente.
Portanto, a Convenção 169 da OIT, juntamente
com a Constituição Federal de 1988, marcaram o fim de uma política voltada à integração
do indígena à sociedade brasileira, passando, assim, a solidificar uma política
defensora das comunidades tradicionais, respeitando as diferentes culturas
existentes no País.
3.5.2 Declaração das Nações Unidas Sobre
Direitos dos Povos Indígenas
Para reforçar a idéia de que devem ser
respeitados os direitos sobre os povos indígenas no tocante ao
multiculturalismo, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, que foi aprovada pela ONU em 13 de setembro de 2007, em que vários
Países votaram a favor, inclusive o Brasil, em seu artigo 5º, dispõe que:
Os povos indígenas têm o direito de conservar
e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais
e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso
o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.
Esta Declaração possui 46 artigos, os quais
dispõem acerca dos direitos dos povos indígenas em relação à terra, à
participação política, aos territórios, aos recursos naturais e “ao
consentimento prévio, livre e informado; às normas não escritas que regem
internamente a vida das comunidades indígenas; o direito à propriedade
intelectual.”
Em concordância com
a UNESCO, esta Declaração é:
um documento abrangente que aborda os direitos
dos povos indígenas. Ela não estabelece novos direitos, mas reconhece e afirma
direitos fundamentais universais no contexto das culturas, realidades e
necessidades indígenas. A Declaração constitui um instrumento internacional
importante de direitos humanos em relação a povos indígenas porque contribui
para a conscientização sobre a opressão histórica impetrada contra os povos
indígenas, além de promover a tolerância, a compreensão e as boas relações
entre os povos indígenas e os demais segmentos da sociedade.
Então, o indígena, nos dias atuais, possui
direitos expressos em documentos legais que garantem a proteção de sua cultura
e a participação em atos ligados à sociedade brasileira, se assim o desejarem.
4 AS COMUNIDADES INDÍGENAS E AS PROBLEMÁTICAS
ATUAIS
Quando se fala em problemática atual das
comunidades indígenas, não se pode dizer que nasceram na atualidade, mas sim,
que são resquícios de problemas que nasceram ainda na colonização, por este o
fato de tanto se estudar os primeiros séculos do “descobrimento” do Brasil.
Os principais problemas que as comunidades
indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos
dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência
interpessoal, que afeta consideravelmente a auto estima dos seres humanos
indígenas.
Além do processo de colonização, conforme
Eliane Potiguara, houve no Brasil o processo de Neocolonização, que foi o
período em que o interior do Brasil passou a ser ocupado, acabando de inúmeras
formas com as comunidades indígenas, período este que foi até em meados do
século XX. Assim, houve intromissão de inúmeros segmentos, como as madeireiras,
os garimpeiros, latifundiários, mineradoras, hidrelétricas, rodovias, entre
outros. Conforme a citada autora, esta intromissão “causou nas últimas décadas
o desmatamento, o assoreamento de rios, a poluição ambiental e a diminuição da
diversidade local, trazendo as enfermidades, a fome e o empobrecimento
compulsório da população indígena.”
Deste modo, neste
capítulo serão estudados os problemas que estes povos enfrentam, com enfoque na
questão fundiária e na relação do índio com a natureza.
4.1 DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO
COM OS PROBLEMAS DAS COMUNIDADES INDÍGENAS
O século XX foi marcado pela industrialização
global, porém as industrializações foram feitas de forma desenfreada, com o
intuito de lucro imediato, sem se pensar em proteger o meio ambiente, posto que
ainda não havia a conscientização ambiental.
Além dos fatores de degradação ambiental que
ocorria em todo o mundo gerados pelo desenvolvimento econômico e industrial das
grandes cidades, o interior do Brasil, que ainda tinha suas florestas nativas
intactas, passou a ser povoado, a fim de iniciar o processo de plantio e
agropecuária das regiões Norte, Centro Oeste, Sul e Sudeste do País, sendo que
as comunidades indígenas que ainda não tinham sido “descobertas” passaram a ser
desbravadas neste processo de Neocolonização.
A partir de então, as aldeias passaram a ter
seu espaço reduzido e os problemas passaram a evoluir.
A Amazônia, como explica Leonardo Boff,
principalmente durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, passou a
ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem terra”.
Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental,
hidroelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas,
desmatando as florestas e matando indígenas.
Da mesma forma, Paulo de Bessa Antunes explica
que:
Os graves problemas fundiários existentes no
Brasil, igualmente, não podem ser solucionados sem que se resolva os problemas
relativos às terras indígenas. Assim, na medida em que a expansão da fronteira
agrícola verificada na década de 70 do século XX e a construção de diversas
rodovias, tais como a Transamazônica, implicaram o deslocamento de inúmeros
povos indígenas das terras que tradicionalmente ocupavam ou mesmo a invasão das
terras indígenas por colonos originários das mais diferentes regiões do País.
Não eram somente os indígenas da Amazônia que
sentiam os problemas gerados pela degradação do meio ambiente, eles eram
sentidos em todo o território nacional, devido à exploração das matas nativas,
da construção de hidroelétricas e da construção de rodovias, que serão
estudados a seguir.
4.1.1 Construção de rodovias e hidroelétricas
O período que antecedeu a criação do SPI, até
meados do século XX, continuou sendo de bruto massacre contra os indígenas . No
entanto, estes massacres eram em decorrência do desenvolvimento do País, das
construções de hidroelétricas e rodovias, bem como do avanço da agropecuária.
O antropólogo Sílvio Coelho dos Santos relata
alguns destes fatos, como da construção da estrada de ferro noroeste do Brasil,
em São Paulo, em que a população indígena da etnia Kaingang foi praticamente
dizimada. Neste local, os trabalhadores “brincavam de passarinhar” índios, ou
seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros.
Da mesma forma, o antropólogo relata fatos
ocorridos nas construções de hidroelétricas, como no caso dos indígenas da
reserva de Ibirama, localizada no Vale do Itajaí em Santa Catarina, em que a
construção da hidroelétrica ocasionou diversos problemas à comunidade indígena,
pelo fato de terem sido inundadas suas terras e não ter sido feito nenhum
projeto preventivo para eles, como narra Silvio Coelho dos Santos:
Logo que aconteceram as primeiras enchentes,
os Índios de Ibirama tiveram prejuízos concretos. Roças foram inundadas; casas
destruídas; currais e depósitos carregados pelas águas; animais mortos. As
reclamações começaram a ser feitas, as primeiras indenizações dos prejuízos
causados começaram a se concretizar. Entretanto, nenhum trabalho esclarecedor
procedeu essa entrega de recursos. Resultado, em poucos meses os indígenas
haviam repassado os ganhos da indenização para o comércio de Ibirama.(...) Em
decorrência da falta de planejamento e da inépcia administrativa, a população
indígena de Ibirama abandonou quase que totalmente as práticas agrícolas e a
pequena criação. A depredação de recursos florestais é enorme.
Como visto, este empreendimento acarretou em
inúmeros problemas para a população indígena de Ibirama, tendo em vista que
eles perderam parte de sua terra produtiva, perdendo então sua subsistência,
necessitando do comércio local para sobreviver, haja vista não tendo eles
conhecimento sobre o dinheiro, acabaram perdendo em poucos meses todo o
dinheiro recebido na indenização em compra de alimentos. Além deste fato, como
o local era rico em biodiversidade, diversos madeireiros da região passaram a
agredi-lo, gerando grande devastação da área, sendo que o lucro que os
madeireiros receberam muitas vezes não era repassado aos indígenas e quando o
era, o valor era irrisório.
Este fato ocorreu no início da década de 80.
Todavia, as consequências ainda são vistas na atualidade, onde os indígenas
vivem na miserabilidade, necessitando de políticas públicas
assisteciancialistas para a sobrevivência, ocasionando, assim, outras consequências,
como o alcoolismo e a prática de delitos.
Caso parecido com esse ocorreu em 2002, na
construção da hidroelétrica na cidade de Minaçu, em Goiás, onde parte das
terras dos índios da etnia Avá-Canoeiro foi inundada e “as áreas utilizadas
pela tribo para cultivo, assim como a vegetação, cachoeiras e outras barreiras
naturais, ficaram submersas”.
Em relação às
rodovias, uma das mais dramáticas histórias foi a da rodovia que liga a cidade
de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso à cidade de Santarém, no estado do
Pará, a BR-163, conhecida como rodovia Transamazônica, uma das mais extensas do
País. Ela foi construída durante o Regime Militar, há 38 anos. Como conta o
Coronel Severo em reportagem feita pelo Jornal Nacional, durante o período da
construção os caminhões traziam a mensagem “integrar para não entregar a
Amazônia”. Isto porque, naquela região, viviam índios Panarás, que nunca tinham
sido contatados. Desta forma, acreditava-se que era necessário integrá-los à
Comunhão Nacional para que o Brasil não perdesse a Floresta Amazônica. Porém,
graças ao trabalho dos irmãos Villas Bôas, durante os contatos não houve
conflitos, mas por conta das doenças que os homens brancos transmitiram aos
indígenas, mais precisamente o sarampo, dois anos depois havia somente 82
índios Panarás naquela região.
Além dos problemas causados durante a
construção das rodovias, hoje o principal problema é a questão de haver
estradas que “cortam” as aldeias, trazendo diversos problemas dos “não índios”
para dentro da comunidade, além de haver vários atropelamentos dentro das
aldeias.
Conclui-se então que o desenvolvimento do País
com a construção de hidroelétricas e de rodovias gerou diversos problemas às
comunidades indígenas.
4.1.2 Intensificação da Agropecuária
Também durante o Regime Militar, na fase do
“progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por índios passaram a ser povoadas
por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária.
O sociólogo Octavio Ianni analisa em sua obra
“Ditadura e Agricultura” o desenvolvimento do País durante este período e os
prejuízos causados na Floresta Amazônica no período de expansão capitalista,
bem como os prejuízos causados às Comunidades Indígenas neste período na região
amazônica.
As terras tribais eram praticamente todas as terras
da região. Depois, pouco a pouco, ou com rápida violência, os indígenas foram
sendo rechaçados de suas terras. A catequese, a evangelização, o extrativismo,
a pecuária, a agricultura sob as mais diferentes formas, estenderam a sociedade
e a comunhão nacionais pelas terras, comunidades e culturas indígenas.
Assim como Octavio Ianni, Leonardo Boff também
faz críticas ao processo de intensificação da agropecuária na Amazônia durante
o regime militar, em que conclui que “as maiores vítimas da penetração de
relação de exploração das riquezas da Amazônia foram, entretanto, os
indígenas”.
Assim como ocorreu
durante o regime militar nas comunidades indígenas da Amazônia, Friedl Paz
Grünberg explica que no Estado do Mato Grosso do Sul, com os indígenas Guaranis,
ocorreu o mesmo. Várias aldeias guaranis foram com o tempo perdendo espaço para
os grandes latifundiários:
As atividades de desmatamento começaram a ser
executadas de forma cada vez mais intensa nos anos 70 e 80 do século passado. O
comércio de madeira foi a atividade mais importante, o grande negócio que hoje
latifundiários e madeireiros desejariam possuir. Com exceção de plantios de
milho e de soja, hoje em dia nesta região predomina a criação de gado bovino.
Para isso foram semeadas, nas áreas desmatadas, os capins africanos do gênero
brachiária para pasto, que é extremamente agressivo e se espalha facilmente
sobre cada pedacinho livre de terra, e que se espalhou, também, sobre a
superfície de cultivo dos guarani.
Este fato demonstra que a pecuária também
prejudicou as comunidades indígenas, tendo em vista que os pastos atingiram o
cultivo dos indígenas, como explicado pelo citado autor.
4.2 O INDÍGENA EM RELAÇÃO HARMONIOSA COM A
NATUREZA
Dos estudos que se têm notícia, colhe-se o
ensinamento de que o indígena sempre teve uma relação harmoniosa com a
natureza, como já explicado por Rousseau e Luiz Donizete Grupioni. Neste mesmo
sentido, a consultora da Universidade Pedagógica Nacional do México, Maritza
Gómez Muñoz, que conviveu com indígenas dos Altos Chiapas, concluiu que o
indígena valoriza o saber comunitário e a natureza, a chamada “mãe terra”. Em
um de seus estudos, aliados à análise antropológica e à convivência junto aos
maya-tzeltal, relata que:
No cultivo, o homem os faz irmãos. O milharal
representa o espaço potencial da nutrição; no cultivo estão implícitos os
saberes do alimento da memória ancestral. Os saberes que surgem dessa
convivência cotidiana referem-se não só ao cultivo; vai sendo estruturada uma
noção de si mesmo originada na tarefa e nas atividades e disposições requeridas
para a aprendizagem do saber cultivar. Entre os diversos traços e emoções
implicados no desempenho, está um longo tempo dedicado ao silêncio e ao
sofrimento. A existência fica impregnada de ‘força vital’ através do cultivo
como saber sagrado. Para saber cultivar, é necessário o respeito à ‘mãe-terra’
e o cuidado.
Seu relato explicita quão importante é a terra
para o indígena. E justamente por adorarem a terra, a protegem, uma vez que
estes povos contam, na prática, somente com os recursos ambientais bióticos e
abióticos para realizar suas necessidades de subsistência; sua cultura, com
relação às atividades agrícolas, por exemplo, não está voltada para o consumo
de bens de mercado, como adubos ou implementos agrícolas. Por conseguinte, não
faz parte dos costumes e hábitos indígenas este tipo de relação com o mercado,
pois vivem uma realidade própria, diversa da do homem ocidental comum.
Os indígenas, assim como as ditas comunidades
tradicionais, respeitam o meio ambiente, visto que ele é o meio de vida deles.
Sua sobrevivência é diretamente dependente da conservação da natureza. Uma
reportagem realizada por Anthony Anderson e Darrell Posey, em 1987, pela
revista “Ciência Hoje”, foi abordada pesquisa sobre o reflorestamento feito por
índios Kayapós, no sul do Pará. Desta pesquisa, concluiu-se que
é possível cultivar a terra sem prejuízo do
ecossistema, pelo recurso e técnicas de manejo que, ao contrário das usualmente
empregada por nós, respeitam as características básicas das áreas manejadas e
fomentam a diversidade que lhes é própria.
Esta pesquisa mais uma vez demonstra o
conhecimento que estas populações têm ao manejar o meio ambiente, manejo este
que não compromete o ecossistema e acaba beneficiando o solo.
Conforme os estudos de Leonardo Boff acerca a
Floresta Amazônica, as comunidades indígenas desenvolveram grande manejo de
floresta, todavia respeitando a singularidade de cada espécie, não destruindo a
natureza. Conclui que “ser humano e floresta evoluíram juntos numa profunda
reciprocidade” , o que resta demonstrado o respeito do indígena para com a
natureza.
Nestes termos, Paulo de Bessa Antunes ressalta
que:
Outro aspecto extremamente importante a ser
observado é o da íntima relação entre os povos indígenas e a preservação do
meio ambiente e a ecologia. Os povos indígenas são, dentre todos, aqueles cujas
formas de vida guardam maior proximidade com a natureza e o meio ambiente. A
preservação do meio ambiente é uma condição fundamental para a reprodução da
vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.
Há que se considerar então que existe relação
de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para
sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente,
como faz o homem que vive na sociedade hegemônica.
4.2.1 Privação do Uso da Terra
Como estudado, a terra para o indígena é o seu
meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.
Conforme estudo acerca da situação dos índios
da etnia Guarani, do Mato Grosso do Sul, realizada por Friedl Paz Grünberg,
conclui-se que a principal fonte das problemáticas destes índios é a perda da
terra, das florestas:
o prejuízo advindo da perda da floresta vai
muito além do componente econômico. Para os guarani a floresta com seus campos
naturais era "tudo o que contava", era tudo o que conheciam do mundo,
era o seu mundo. Domesticar a floresta com seus perigos era a oportunidade que
tinham os homens para desenvolver sua personalidade e para obter prestígio. A
comunicação vital com os animais e com os espíritos da floresta permitia-lhes
desenvolver sua rica vida espiritual. Tudo isto está irremediavelmente perdido,
pois com a perda da floresta, também se perdeu, quase ao mesmo tempo, os saberes
a ela relacionados e a prática da convivência vital com as plantas e os
animais.
Hoje se encontram diversos problemas de ordem
sociais ocasionados pela falta de terra, acarretando em falta de produtividade.
Além da falta de terra, muitas aldeias estão em áreas em que não há solo
fértil, tampouco caça e pesca, ou então, estão em áreas que não podem ser
cultivadas, como era o caso da Aldeia Araçá-Í, localizada no município de
Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, tendo em vista que ela está inserida
em área de preservação ambiental da SANEPAR (Companhia de Saneamento do
Paraná), não podendo ser mantida agricultura neste local. Desta feita, desde o
ano de 2000, data em que passaram a viver neste local, recebem cestas básicas
do governo.
No entanto, no caso da Aldeia Araçá-Í, o
Ministério Público do Estado do Paraná realizou Termo de Ajustamento de Conduta
com a SANEPAR garantindo um espaço para que a população desta aldeia possa
cultivar alimentos para subsistência.
Ocorre que, em outros casos, esta forma de
solução não foi tomada, tendo os indígenas como única forma de subsistência a
arrecadação de cestas básicas de entidades governamentais e não governamentais.
4.2.2 Políticas Assistencialistas
Como forma de diminuir as desigualdades
sociais entre os “homens brancos” e os indígenas, o País adotou a política
assistencialista, tendo em vista que o Estado fornece suprimentos aos
indígenas, como doação de cestas básicas, sem se preocupar com a
autosustentabilidade do indígena, o que prejudica a qualidade de vida destes
povos. Marcos Terena, indígena e coordenador de defesa dos direitos indígenas
da ONU, enfatiza que a falta de terras faz com que o índio produza menos,
fazendo com que dependa do Estado e conclui que: “essa política assistencialista,
de doação de cestas básicas, adotada por alguns governos, não melhora a
qualidade de vida e sim aumenta a dependência, além disso colabora para que
estas injustiças se perpetuem.”
Verifica-se que a
maioria das aldeias não são autosuficientes, necessitando então de políticas
públicas assistencialistas para a sobrevivência.
4.3 PROBLEMAS ATUAIS
4.3.1 Alcoolismo
O alcoolismo entre os indígenas tem sido um
dos principais problemas das comunidades indígenas. Em projeto desenvolvido
pela FUNASA nas aldeias Ocoy, Mangueirinha, Rio das Cobras, Araçá-Í, São
Jerônimo da Serra e Apucaraninha, do Estado do Paraná, constatou-se que o
alcoolismo é uma “questão social, uma vez que ele é gerado pela ociosidade,
falta de inserção no mercado de trabalho, falta de perspectivas e fácil acesso
à bebida”. (Informação Verbal) .
Os índios, conforme suas tradições, sempre
tiveram contato com a bebida alcoólica fermentada, produzida por eles mesmos em
rituais típicos. Um exemplo é a bebida típica dos indígenas da etnia Kaingang,
o Kiki, que é produzida de forma fermentada, à base de milho e mel.
Entretanto, com a colonização, foram
introduzidos alambiques nas aldeias, fazendo com que o índio passasse a
consumir bebida destilada. Para Henrique Carneiro, a bebida destilada foi mais
uma das formas de dizimação da cultura das comunidades indígenas no período
colonial.
Em estudo realizado pela psicóloga da Fundação
Nacional da Saúde, órgão responsável pela saúde indígena, conclui-se que, a
princípio, as bebidas fermentadas “não provocavam transtornos de ordem física
ou biológica, como acontece agora com as bebidas destiladas”.
Então, a bebida
alcoólica é mais um dos problemas que a sociedade “não índia” envolveu o
indígena. Em consequência do uso do álcool, diversos outros problemas são
acarretados, como explica Camila Borges:
O consumo de álcool aparece com frequência no
quadro de morbidade ambulatorial. Tem sido identificado como principal
coadjuvante nas causas de mortalidade por fatores externos (acidentes, quedas,
agressões, etc). Doenças como cirrose, diabetes, pressão arterial, doenças do
coração, estresse e depressão também são identificadas como co-morbidades
ligadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas.
O problema do alcoolismo está presente em diversas
aldeias do Brasil e, além dos problemas citados acima, desencadeia outros
problemas, como o cometimento de crimes e a desnutrição. Isso porque muitas
vezes os indígenas acabam trocando alimentos recebidos pelo governo por bebidas
alcoólicas, ao revés de utilizarem os alimentos para a sua subsistência e de
sua família.
Em relação à prática de delitos, o indígena
fica mais suscetível ao cometimento de crimes quando há influência de álcool.
Em pesquisa acerca da situação dos detentos indígenas no Estado do Mato Grosso
do Sul, constatou-se que dos processos criminais em trâmite, envolvendo autores
indígenas, em 21% o autor estava sob influência de álcool; 1% a vítima estava
alcoolizada; e 36% autor e vítima estavam alcoolizados, sendo que somente 42% não
havia evidência de álcool.
Essa pesquisa demonstra que o álcool, além de
causar doenças e interferir na cultura, acaba influenciando na prática de
delitos.
4.3.2 Suicídio
Infelizmente, o suicídio tem sido uma prática
comum entre os indígenas, principalmente entre a etnia Guarani, visto que eles
sempre tiveram como ideário de vida a liberdade, as terras e os cultivos. Além
disso, os “não índios” têm intervindo há centenas de anos na cultura e na
crença destes povos, o que faz com que cause perda de referências e
desestruturação da sociedade indígena.
Émile Durkheim aponta quatro definições de
suicídio dentro do aspecto sociológico, quais sejam, egoísta, altruísta,
fatalista e anômico. Este último é característico dos suicídios ocorridos nas
sociedades indígenas, uma vez que esta forma de suicídio é aquela em que um
grupo social perde sua identidade e as pessoas inseridas neste meio acabam
cometendo este ato.
Tatiana Azambuja Ujacow Martins, em sua
pesquisa na aldeia Bororó, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul,
explicita que:
Observa-se que as causas de suicídio, na
maioria das vezes, são atribuídas à bebida, às drogas, ao feitiço, à fatores
sobrenaturais ou à desesperança. Porém, esses fatores estão intrinsecamente
ligados à morte da cultura indígena. Toda a interferência do não-índio na vida
do índio resultou em um etnocídio. Hoje, o índio não se percebe mais, não sabe
mais quem ele é. Nota-se, também, que a bebida serviria como fator encorajador
do suicídio. Percebe-se que os índios vivem uma crise de identidade e
auto-imagem, o que leva a pensar que, quando se suicidam, não estão matando
eles mesmos, porque não existe mais eu. O ego cultural se foi, junto com seus
rios e com suas matas.
Em pesquisa realizada por Cleane S. de Oliveira
e Francisco Lotufo Neto, acerca das estatísticas de suicídio em povos
tradicionais, conclui-se que, entre todas as comunidades tradicionais, o maior
índice está entre os indígenas.
Este estudo revela, então, que os problemas
que as comunidades indígenas enfrentam atualmente estão todos interligados. Os
principais causadores são as interferências do “não índio” na cultura indígena,
assim como a falta de terras e de produtividade. Estes problemas, muitas vezes,
acarretam o alcoolismo que, por sua vez, impulsiona o suicídio.
4.3.3 Desnutrição
A desnutrição é uma das principais causas de
óbito de crianças indígenas, sendo que no ano de 2007 foi criada uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a causa da desnutrição. De
acordo com o Programa do Governo Federal, Fome Zero , em 2000 a incidência de
desnutrição era de 74,6 casos para cada 1000 índios, enquanto que em 2007 este
número foi reduzido para 46,7.
A maioria dos casos de desnutrição está
diretamente ligada ao alcoolismo, visto que muitos indígenas trocam alimentos
por bebidas, deixando de alimentar para beber, ou então, os pais, por serem
alcoolistas, não dão atendimento necessário aos filhos, deixando-os em estado
de desnutrição, como explica Camila Borges: “sabe-se também que várias crianças
apresentam patologias ligadas à situação dos pais alcoolistas, como a
desnutrição”.
Em Relatório de
Violência contra os povos indígenas dos anos de 2003 a 2005, elaborado pelo
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), constatou que o falecimento de
crianças por desnutrição da etnia Guarani-Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do
Sul, estão diretamente ligadas à situação atual da comunidade, como a escassez
de terra para plantar e alto índice de desemprego e de alcoolismo.
Resta demonstrado que os problemas atuais das
comunidades indígenas estão todos interligados, sendo que todos são
consequência do descaso do governo para com os índios durante centenas de anos
e hoje sofrem por não terem terras e não poderem mais produzir alimentos como
antigamente.
5 DIREITO SOCIOAMBIENTAL E ETNODESENVOLVIMENTO
5.1 SURGIMENTO DO DIREITO SOCIOAMBIENTAL
Em meados do Século XIX nasceu nos Estados
Unidos o pensamento ambientalista, com a Corrente Preservacionista, tendo esta
corrente visão biocêntrica, ou seja, que a natureza deve ser preservada
independentemente da contribuição que possa trazer ao ser humano.
Em 1872 foi criado naquele País o Yellowstone
National Park, com ideais preservacionistas, tendo como objetivo “a idéia que
imperava na época de que esse espaço precisava ser resguardado da ação
predatória do homem”.
Neste sentido, o
Brasil adotou, na teoria, a Corrente Preservacionista nos moldes
norte-americanos, ressaltando que no mesmo período havia a política
desenvolvimentista do regime militar, sendo que Alex Justus da Silveira define
que:
A corrente preservacionista parte do princípio
de que toda relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do
mundo natural, sem que sejam feitas quaisquer entre as várias formas de sociedade
(urbano-industrial, tradicional, indígena etc..).
Sendo assim, o Brasil adotou uma corrente
ambientalista que vai de encontro aos interesses dos povos tradicionais e
indígenas, prejudicando mais uma vez o direito destes povos, tendo em vista que
assim eles não poderiam conviver harmonicamente com a “natureza selvagem”, alem
do fato que esta corrente “considera que é inconcebível que uma unidade de
conservação possa proteger, além da diversidade biológica, a diversidade
cultural”.
Em contrapartida, a
partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e ambientais
durante a segunda metade da década de 80 surgiu o socioambientalismo brasileiro
ou a chamada Corrente Conservacionista. Juliana Santilli estabelece que:
O surgimento do socioambientalismo pode ser
identificado com o processo histórico de redemocratização do País, iniciado com
o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova
Constituição, em 1988. Fortaleceu-se – como o ambientalismo em geral – nos anos
90, principalmente depois da realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992 (Eco-92), quando os
conceitos socioambientais passaram claramente a influenciar a edição de normas
legais.
Destarte o socioambientalismo pode ser
caracterizado como uma evolução do pensamento ambientalista, em que não se visa
proteger somente a natureza, como também quem vive nela, quais sejam as
comunidades tradicionais . Assim, esta corrente, que hoje faz parte de um dos
ramos da Ciência Jurídica , o Direito Socioambiental, foi construído com base
na idéia de que as políticas públicas ambientais devem incluir as comunidades
tradicionais, detentoras de manejo e práticas ambientais. Deste modo, ao invés
de expulsar os indígenas das terras de proteção ambiental, ele os aproxima da
natureza, protegendo tanto o meio ambiente quanto o homem que ali vive.
Assim, o socioambientalismo se desenvolveu no
Brasil com a concepção de que um País subdesenvolvido não pode querer emergir
com ações promovendo somente a sustentabilidade social ou então somente a
sustentabilidade de ecossistemas, de espécies e processos ecológicos, devendo
ser criados projetos e ações que promovam o desenvolvimento social, como ensina
Juliana Santilli:
O novo paradigma de desenvolvimento
preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade
cultural. O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que
as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade
política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição
socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos
recursos naturais.
Segundo esta corrente teórica, o meio ambiente
não pode ser um bem protegido isoladamente, esquecendo as comunidades
tradicionais. Deste modo, Paulo de Bessa Antunes afirma que:
Há uma nova compreensão do papel a ser
desempenhado pelos povos aborígenes na preservação ambiental. Lentamente, está
sendo modificada a antiga, e errônea, compreensão de que a proteção ambiental
deveria ser feita mediante a adoção de políticas que implicassem o isolamento
da área a ser protegida. É necessário, e fundamental, que os povos indígenas
possam conservar suas identidades e peculariedades como parte integrante que
são da diversidade cultural brasileira.
Assim, para haver real proteção do meio e
desenvolvimento sustentável, o incentivo para tais comunidades é primordial.
Como forma de demonstrar a importância do socioambientalismo, reportagem
realizada pela Folha de São Paulo, em 12 de janeiro de 2006, demonstra que
Terra Indígena protege mais que parque preservacionista, contradizendo as
correntes ambientalistas de que os parques eram melhores que reservas indígenas
para proteger a biodiversidade:
As terras indígenas são tão boas -ou melhores-
que parques nacionais para conter a destruição da mata. É a primeira vez que se
mede, de fato, um efeito que já era conhecido. Basta olhar fotos de satélite ou
mesmo sobrevoar áreas em torno do Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, por
exemplo, para ver que a devastação é muito menor dentro do que fora dele.
Esta pesquisa corrobora para o ideal do
socioambientalismo dentro da sociedade brasileira, uma sociedade multiétnica,
rica em biodiversidade e que luta pela igualdade social, respeitando, claro,
todas as diferenças.
Dentro deste conceito, Alex Justus da Silveira
ressalta que:
Dessa forma, o movimento conservacionista
propõe o respeito à diversidade cultural como base para a manutenção da
diversidade biológica, uma nova aliança entre o homem e a natureza, e a
necessidade da participação democrática na gestão dos espaços territoriais
especialmente protegidos.
Neste contexto, conforme Ana Paula Liberato, o
Direito Socioambiental:
É um ramo do direito que não tem a pretensão
de instaurar uma nova disciplina jurídica, mas com a intenção de unir em uma
única abordagem indissociável as espécies de meio ambiente consagradas pela
Constituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente natural, meio
ambiente cultural, meio ambiente urbano e meio ambiente do trabalho. Isto
deve-se ao fato de que o meio ambiente constitui um conjunto complexo,
harmônico e interdependente de todas as formas de vida, esta relação não afasta
a interação que as formas de vidas exercem no meio em que vivem, logo resumir a
regulamentação jurídica em direito ambiental, é proporcionar, em parte, a
exclusão de discussões necessárias e primordiais para entender a relação
existente no meio ambiente.
Destarte o Direito Socioambiental é o ramo do
direito que visa proteger o meio ambiente de forma ampla, não protegendo
somente o meio ambiente natural, mas também o cultural, o urbano e do trabalho.
Assim, pode-se dizer que a biodiversidade biológica e a biodiversidade cultural
são bens protegidos pelo Direito Socioambiental.
5.1.1 Convenção sobre Diversidade Biológica
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento – Eco 92 foi desenvolvida o maior instrumento
legal internacional que visa a proteção da diversidade biológica , qual seja a
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), sendo que vigora no Brasil por
meio da promulgação do Decreto nº 2.519 de 16 de março de 1998.
Esta Convenção é estudada dentro do Direito
Socioambiental porque ela é a melhor ferramenta legal que elucida os princípios
deste ramo do Direito, tendo em vista que ela não visa somente a proteção do
meio ambiente em si, como também a proteção cultural das comunidades, o artigo
8º, alínea “j” da presente Convenção dispõe que:
Em conformidade com sua legislação nacional,
respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das
comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais
relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e
incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos
detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição
equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações
e práticas.
Desta forma a própria convenção reza que as
comunidades indígenas possuem conhecimento capaz de proteger a diversidade
biológica, devendo ser incentivada a manter seus usos e costumes em prol da
biodiversidade.
Ademais, conforme Francine Hakim Leal explica
que:
De fato a diversidade biológica está
intimamente ligada às diversas culturas, aos sistemas de conhecimento e às
formas de vida que se desenvolveram e se mantiveram e vice-versa. Portanto, é
nítida a necessidade do reconhecimento dos direitos das comunidades locais,
assim como dos Estados, para proteger os recursos biológicos e promover a sua
conservação.
Resta demonstrado que a diversidade biológica
é o suporte necessário para a proteção da cultura das comunidades indígenas, tendo
em vista que a partir de um ambiente biodiverso os indígenas possuem mecanismos
suficientes para manter sua cultura, seja na auto-sustentação, sejam ao ensinar
as demais populações aos manejos de solo com menor potencial ofensivo, seja no
desenvolvimento de medicamentos e cosméticos ligados ao Conhecimento
Tradicional Associado.
Neste sentido o Instituto Socioambiental
explica que:
Os índios têm conhecimentos tradicionais sobre
a biodiversidade importantes para o futuro da humanidade e, embora não sejam
naturalmente ecologistas, os recursos naturais nas suas terras estão sempre
mais preservados que nos seus entornos.
Assim como o ISA, a FUNAI explica que a
regularização das terras indígenas não é só importante para a proteção da
cultura, como também para a proteção da biodiversidade brasileira, veja-se:
O que está em evidência nos dias atuais, é o
fato de que a defesa dos territórios indígenas garante a preservação de um
gigantesco patrimônio biológico e do conhecimento milenar detido pelas populações
indígenas a respeito deste patrimônio. Por exemplo, as sociedades indígenas da
Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos
medicinais e pelo menos 90 delas já são utilizadas comercialmente. Cerca de 25%
dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem substâncias ativas
derivadas de plantas nativas das florestas tropicais. Por isso a preservação
dos territórios indígenas é tão importante, tanto do ponto de vista de sua
riqueza biológica quanto da riqueza cultural. Distribuídos por diversos pontos
do País e vivendo nos mais diferenciados biomas - floresta tropical, cerrado
etc. - os povos indígenas detêm um profundo conhecimento sobre seu meio
ambiente e, graças às suas formas tradicionais de utilização dos recursos naturais,
garantem tanto a manutenção de nascentes de rios como da flora e da fauna, que
representam patrimônio inestimável. A proteção das terras indígenas é,
portanto, uma medida estratégica para o País, seja porque se assegura um
direito dos índios, seja porque se garantem os meios de sua sobrevivência
física e cultural, e ainda porque se garante a proteção da biodiversidade
brasileira e do conhecimento que permite o seu uso racional.
Para concluir a ligação existente entre a CDB
e o Direito Socioambiental, conforme o ISA “não existe biodiversidade sem
sociodiversidade” , assim resta evidenciado que a partir da biodiversidade, as
comunidades indígenas podem se desenvolverem e terem o direito à diversidade
cultural respeitado.
5.2 ETNODESENVOLVIMENTO
Com o avanço da sociedade moderna, o
desenvolvimento econômico trouxe diversos problemas de ordem ambiental. Como
forma de diminuir estes problemas, foi desenvolvida a idéia de desenvolvimento
sustentável ou ecodesenvolvimento, tendo como um dos criadores deste pensamento
o economista e sociólogo Ignacy Sachs. A partir desta idéia, constatou-se que
deve haver desenvolvimento e que os recursos naturais devem ser explorados,
todavia com um controle, gerando diversas estratégias de economia de recurso, como
a reciclagem, aproveitamento de lixo, conservação de energia, água e recursos,
manutenção de equipamentos, entre outros.
José Eli da Veiga, com concordância com as
idéias de Ignacy Sachs, explica que a sustentabilidade ambiental:
É baseada no duplo imperativo ético de
solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com
as gerações futuras. Ela compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e
espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. Ele impede
ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos sociais,
econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de
elevadas externelidades negativas, tanto sociais quanto ambientais.
Dentro dos moldes do desenvolvimento
sustentável, entretanto, como forma de desenvolver as comunidades indígenas, de
uma forma diferenciada em relação ao método das sociedades hegemônicas, em
conformidade com as perspectivas do Direito Socioambiental, nasceu o
etnodesenvolvimento. Para o criador deste termo, Rodolfo Stavenhagen, o
etnodesenvolvimento significa:
Uma etnia, autóctone, tribal ou outra, detém o
controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e
sua cultura, e é livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações
segundo seus interesses.
Conforme Zélia Costa, no final da década de
80, continuaram a ser implantados os Grandes Projetos, os quais nasceram
durante a Ditadura Militar. Visavam o progresso sem levar em consideração “as
especificidades locais e as aspirações das populações que serão atingidas” .
Assim, como forma de “possibilitar oportunidades iguais de desenvolvimento
social, cultural e econômico em uma realidade pluriétnica” surgiu o
etnodesenvolvimento.
Gilberto Azanha, Mestre em Antropologia
Social, explica que para a aplicação deste conceito nas comunidades indígenas
brasileiras devem-se envolver alguns indicadores, quais sejam:
a)aumento populacional, com segurança
alimentar plenamente atingida; b) aumento do nível de escolaridade, na “língua”
ou no português, dos jovens aldeados; c) procura pelos bens dos “brancos”
plenamente satisfeita por meio de recursos próprios gerados internamente de
forma não predatória, com relativa independência das determinações externas do
mercado na captação de recursos financeiros; e d) pleno domínio das relações
com o Estado e agências do governo, a ponto de a sociedade indígena definir
essas relações, impondo o modo de como deverão ser estabelecidas.
Pode-se então dizer que a partir de meios
eficazes, permitidos pelo etnodesenvolvimento, como aclara Gilberto Azanha, as
comunidades indígenas podem se desenvolver, serem auto-sustentáveis, em
consonância com as suas culturas e tradições.
Em conformidade com o indigenista Edívio Battistelli,
etnodesenvolvimento significa “desenvolver dentro de padrões
étnicos”(Informação Verbal) , assim cada etnia, cada comunidade, deve possuir
um padrão diferenciado de desenvolvimento e auto-sustentabilidade.
5.2.1 Aplicação da Convenção 169 da OIT para o
etnodesenvolvimento das Comunidades Indígenas
A Convenção 169 da OIT, como já estudada,
transformou a idéia de assimilação da forçada dos povos indígenas, ademais
conforme Marco Antonio Barbosa, esta convenção trouxe dois princípios à questão
indígena: o etnodesenvolvimento e o direito à autodeterminação. O artigo 2º da
referida convenção dispõe que:
Artigo 2o 1. Os governos deverão assumir a
responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma
ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e
a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir
medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de
igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos
demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos
sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade
social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que
ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio -
econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da
comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de
vida.
Ademais, o artigo 23 da Convenção elucida que
o artesanato e as atividades tradicionais devem ser reconhecidos como forma de
manutenção da cultura, bem como de auto-suficiência e desenvolvimento
econômico, sendo que é recomendado que sejam fortalecidas e fomentadas estas
atividades pelos indígenas, o que ressalta mais uma vez o etnodesenvolvimento.
No mesmo sentido, de acordo com Marco Antônio
Barbosa, o artigo 30 da referida Convenção determina que:
Os governos deverão adotar medidas de acordo
com as tradições e costumes dos povos interessados a fim de que conheçam seus
direitos e obrigações, especialmente no que se refere ao trabalho, às
possibilidades econômicas, às questões da educação e saúde, aos serviços
sociais (...)
Além dos citados artigos, a Convenção em sua
plenitude deixa claro que os Estados devem adotar o etnodesenvolvimento nas
comunidades indígenas, pois assim, estes povos terão a possibilidade de se
desenvolverem dentro de suas técnicas culturais, não dependendo de políticas
assistencialistas e, assim, terão direito ao multiculturalismo respeitado.
5.3 POLÍTICAS PÚBLICAS
Como estudado, o etnodesenvolvimento é um meio
para proteger as comunidades indígenas, sendo que com a aplicação dele, aliado
ao Direito Socioambiental, estes povos tem a possibilidade de se desenvolverem
de forma harmônica ao seu meio de vida, protegendo a cultura e praticando a
sustentabilidade.
Para isso devem ser criadas políticas
públicas, por órgãos governamentais ou não, para que estas comunidades não
dependam de políticas assistencialistas e não adquiram problemas sociais, como
o alcoolismo e a desnutrição.
Assim, estudar-se-ão dois projetos, o
Cultivando Água Boa, desenvolvido pela Itaipu Binacional e o Waimiri-Atroari,
desenvolvido pela Eletronorte.
5.3.1 Projeto Cultivando Água Boa
Para a construção da maior hidroelétrica
brasileira, a Itaipu Binacional, localizada na divisa do Brasil e do Paraguai
(a parte brasileira fica localizada no município de Foz do Iguaçu, Estado do
Paraná), no ano de 1978 iniciou o processo de desapropriação de terras que
seriam alagadas. Estas desapropriações afetaram terras localizadas em oito
municípios paranaenses, compreendendo um total de 801.220 ha, prejudicando
aproximadamente 40 mil pessoas, entre agricultores, ribeirinhos e indígenas.
Na área da represa da Itaipu havia vários
grupos indígenas, todas pertencentes à etnia Avá-Guarani. Assim como nos casos
estudados, estas comunidades sofreram grandes problemas com a construção da
hidroelétrica.
Em 1995 foi realizado um laudo antropológico
em uma das aldeias atingidas, a Tekoha Ocoy, localizada no Município de São
Miguel do Iguaçu, por especialistas da Universidade do Rio de Janeiro, visando
a sustentar o pedido de uma terra maior e com melhor estrutura. Em tal laudo percebe-se
o sofrimento da aldeia:
Apesar do mato, este não pode ser cortado –
nem os índios desejam faze-lo. Sendo, porém, uma área reduzida, sobra-lhes
pouco espaço para o cultivo de roças, problema que se agrava com o crescimento
da população e a conseqüente formação de novas famílias que necessitam de terra
para instalar suas habitações e para a subsistência.
Este problema se dava pelo fato de terem sido
transferidos a uma área inferior a que possuíam e por ser área de proteção
ambiental, não podendo, desta forma,plantar, ou seja, não podiam se auto
sustentarem, dependendo de políticas assistencialistas para a sobrevivência.
Entretanto, a partir do Projeto Cultivando
Água Boa, desenvolvida pela própria Itaipu Binacional, foi fundado no ano de
2004 o Projeto de Sustentabilidade das Comunidades Avá-Guarani, permitindo que
as três aldeias atingidas pela represa, Tekoha Ocoy, localizada em São Miguel
do Iguaçu, Tekoha Añetete, bem como a Tekoha Itamarã, ambas localizadas em
Diamante D’ Oeste “obtenham seu próprio sustento, sem perder o sentimento de
identidade étnica e mantendo suas tradições” ou seja, dentro dos princípios do
etnodesenvolvimento e com responsabilidade socioambiental.
Estas comunidades são atendidas pela Itaipu
Binacional, bem como por diversos órgãos, como a FUNAI, FUNASA, Prefeitura dos
Municípios, Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), entre outros.
(Informação Verbal)
Dentro das aldeias são desenvolvidas diversas
atividades produtivas, sendo que os índios recebem orientação e cursos de
capacitação e cada grupo desenvolve uma atividade diversa, tendo como exemplo
produção de artesanato para troca por alimentos e venda; plantação de mandioca,
melancia e ervas medicinais; criações de gado, que servem para o consumo
interno e para a venda, como demonstram as fotografias:
Artesanato produzido pelas comunidades
indígenas atendidas pelo projeto.
Fonte: Acervo do Centro de Apoio Operacional
das Promotorias de Justiça de Proteção às Comunidades Indígenas.
Produção de melancia, onde foram colhidos
29.970 kg.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água
Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional,
Marlene Curtis.
Bovinocultura, sendo que a produção mensal de
leite é de aproximadamente 1200 litros por mês.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água
Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional,
Marlene Curtis.
Produção de ervas medicinais, sendo que foram
doadas pela Itaipu Binacional mudas de carqueja, guaco, cipó, cidró, stevia,
sabugueiro, entre outras.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água
Boa realizada pela Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional,
Marlene Curtis.
Assim, as comunidades indígenas com o apoio da
Itaipu Binacional desenvolvem ações que garantem a preservação de sua cultura e
tradição, bem como sua auto-sustentabilidade, por meio das atividades citadas,
entre outras, as quais se inserem nos princípios do etnodesenvolvimento e do
Direito Socioambiental.
5.3.2 Projeto Waimiri-Atroari
A etnia Waimiri-Atroari, localizada ao norte
do Estado do Amazonas e ao sul do Estado de Roraima, teve seus primeiros
contatos com a sociedade “não índia” no início do século XIX. Todavia, foi
durante a política desenvolvimentista ocorrida durante o Regime Militar que
estes contatos foram mais intensos. Neste período foi construída uma rodovia
dentro de suas terras, a BR 174, que liga Manaus a Boa Vista. No mesmo local
foi instalado o Projeto Pitinga, cujo objetivo era extrair cassiterita sendo
que, devido a este fato, foram esbulhados 526 hectares de terras indígenas.
Ademais, após o Regime Militar, em 1987, foi construída pela Eletronorte
(Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.) a Usina Hidroelétrica de Balbina,
alagando 30 mil ha de terras destes índios.
Em contrapartida, tendo como finalidade
devolver, dentro do prazo de 25 anos, a independência que estes povos possuíam
antes do contato com a sociedade brasileira , em 1988 foi criado o Projeto
Waimiri-Atroari, assinado em junho daquele ano pela FUNAI e Eletronorte, por
meio do Termo de Compromisso TC-002-87.
O projeto foi elaborado por uma equipe
multidisciplinar com técnicos da própria FUNAI e Eletronorte, esta por sua foi
a financiadora de todas as ações do programa, da Secretaria de Educação do
Estado do Amazonas, do Instituto de Medicina Tropical de Manaus, bem como da
Universidade do Amazonas.
A primeira fase do projeto foi a demarcação de
2.585.911 ha de terras, em consonância com estudo antropológico realizado pela
FUNAI. A segunda fase foi a implementação de programas nas áreas de educação,
saúde, meio ambiente, administração, documentação e memória, bem como apoio a
produção, sendo que em todas as ações foram respeitas a multiculturalidade
destes povos, em concordância com o etnodesenvolvimento.
Conforme o idealizador do Projeto José
Porfírio Carvalho foram desenvolvidas, entre outras, as seguintes ações:
Desenvolvemos projetos de criação de animais
silvestres como antas, capivaras e porcos-do-mato, e implantamos uma
agricultura voltada para as culturas perenes, em vez das essências e produtos
sazonais habitualmente cultivados. O projeto inclui ainda captação de recursos
por meio da venda de artesanato indígena. Mantemos em Manaus uma loja
exclusivamente para isso.(...) Assim, há uma série de atividades paralelas à
produção direta que auxilia seu processo de etnodesenvolvimento.
Com estas ações os indígenas tornam-se
independentes, não necessitando de políticas assistencialistas. Consoante José
Porfírio Carvalho, atualmente estes indígenas consomem em média R$36,00 em bens
não produzidos por eles, como o combustível. Todo o consumo restante é
produzido na própria aldeia, desde alimentação até utensílios domésticos e
artesanato, sendo que todas as atividades são desenvolvidas dentro de seus
padrões culturais, mantendo “todos os processos reprodutivos de sua cultura, as
roças são construídas de forma a suprir a necessidade de alimentos.”
Com estas
atividades a comunidade indígena Waimiri-Atroari aumentou seu crescimento
vegetativo, tendo em vista que no ano de 1987 havia 374 pessoas, em
contrapartida no final do ano de 2007 havia 1232 indígenas, o que revela um
crescimento de 5,1 % ao ano, um dos maiores do mundo. Ademais, nas 19 aldeias
não há existência de alcoolismo, tampouco outro problema social.
Ressalta-se que todas as atividades produtivas
são desenvolvidas a partir de critérios tradicionais de manejo ecológico do
solo, sendo cultivadas variadas espécies agrícolas e frutíferas tradicionais,
respeitando o ecossistema regional. Estas atividades, associadas às diversas
outras incluídas no projeto, mostra que os Waimiri-Atroari possuem hoje:
Consciência lúcida e soberana de seus
direitos, de seu lugar no mundo, de sua autogestão política e cultural, em
defesa de sua cidadania étnica. E nos dão a ver, com eminente presença de
espírito, que políticas indigenistas devem se fundamentar no respeito às
diversidades culturais; que tenha terra indígena demarcada e regularizada, não
é nenhum empecilho para o desenvolvimento do país; e que nenhum povo deve estar
fadado à exclusão do bem comum, tendo em vista o potencial de recursos que
todos poderemos generosamente usufruir, construindo de sol a sol o destino
épico da multiétnica nação brasileira.
Desta forma, revela-se a importância do
etnodesenvolvimento das comunidades indígenas, posto que a partir deste meio
estes povos tornam-se independentes da sociedade “não índia”, podendo viver
dentro de seus costumes, respeitando suas características culturais e mantendo
o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
6 CONCLUSÃO
“Depois que o
último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de
uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver
nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o
bater do coração de sua mãe.”
(Cacique Seattle)
A partir desta pesquisa, constata-se que o
indígena não sofreu apenas na época da colonização européia, mas sofre até os
dias atuais, talvez não mais com massacres diretos, porém com os indiretos,
quais sejam, a falta de terras e de incentivos, o que culmina em diversas
outras problemáticas, como o alcoolismo e a desnutrição.
Percebe-se, por meio do estudo realizado, que
os europeus chegaram ao Brasil com perspectivas diferentes da dos indígenas,
estes não tinham visão econômica sobre a terra e os bens, tendo com a natureza
relação de amor e dela, fonte de subsistência.
Os anos passaram e as dificuldades foram
aumentando, etnias foram sendo dizimadas, indígenas sendo escravizados e
oprimidos. Assim, deve-se reconhecer que a Política do Integracionismo adotada
desde as Missões Jesuíticas, que se perdurou até a promulgação da Constituição
Federal de 1988 trouxe diversos problemas culturais para os indígenas, tendo em
vista que o objetivo da igreja e do Estado era de integrá-los à comunhão
nacional, sem respeitar o multiculturalismo.
Durante o Regime Militar havia a política
desenvolvimentista, época em que outras várias comunidades foram prejudicadas,
tendo em vista as construções de hidroelétricas e rodovias e a intensificação
da agropecuária, as quais desencadearam a progressiva degradação do meio
ambiente e o aumento das problemáticas indígenas.
Com a promulgação da Constituição Federal de
1988, foi reconhecido o multiculturalismo e o índio passou a ter o direito de
ser índio. Vários movimentos começaram a ocorrer, entre eles o
socioambientalismo, corrente que, entre outros princípios, visa a proteção do
meio ambiente e das populações que nele vivem, como os indígenas.
Logo em seguida foram criados instrumentos
internacionais que corroboram com o texto constitucional de forma mais
específica, como a Convenção 169 da OIT, que adotou o direito do indígena se
desenvolver a partir de seus conhecimentos culturais e tradicionais. Da mesma
forma, foi criada a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos
Indígenas, reconhecendo também o direito de usufruírem as riquezas do solo e
das águas, assim como o direito de participarem ativamente dos atos da
sociedade nacional, se assim o desejarem. Ademais, a Convenção sobre
Diversidade Biológica estabelece também que o indígena, assim como as demais
comunidades tradicionais, é um potencial protetor da biodiversidade, sendo que,
conforme a pesquisa, esta é essencial para a proteção da diversidade cultural
destes povos.
Neste contexto, o Direito Socioambiental e o
etnodesenvolvimento são alternativas para mudar positivamente a realidade do
indígena, pois defendem a idéia de que as comunidades indígenas necessitam do
meio ambiente para sua auto-sustentabilidade, bem como para a proteção de sua
diversidade cultural.
Destarte, procurou-se estudar dois projetos
que colocam na prática estas duas correntes, o Cultivando Água Boa e o
Waimiri-Atroari, nos quais os indígenas se desenvolvem com atividades próprias
de sua cultura, com técnicas sustentáveis e não dependem de políticas
assistencialistas para a sobrevivência.
Assim, conclui-se que, a partir do momento em
que todos os indígenas puderem viver em áreas que mantenham a diversidade
biológica e que possam se desenvolver dentro de seus padrões culturais, podendo
usufruir de suas terras, não mais dependerão do “homem branco” da forma indigna
como hoje, em sua maioria, dependem, e terão ganho a liberdade que fora perdida
há mais de quinhentos anos no Brasil.
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ANEXO
REPORTAGEM: TERRA INDÍGENA PROTEGE MAIS QUE
PARQUE
FOLHA DE SÃO PAULO – 27/01/2006
AMAZÔNIA
Imagem de satélite mostra que índios são
imbatíveis para conter danos à floresta, como desmatamento e queimada
Terra indígena protege mais que parque
Fernando Donasci - 12.jun.2005/Folha Imagem
Rio Tartaruga, um dos afluentes do Xingu, nas
imediações do parque indígena de mesmo nome
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Se você acha que os índios do Brasil já têm
terra demais, como afirmou o presidente da Funai, mas também quer ver a
floresta amazônica preservada, pense duas vezes. Será preciso escolher uma das
duas opiniões. Segundo um estudo publicado na edição de fevereiro do periódico
"Conservation Biology", as terras indígenas são tão boas -ou
melhores- que parques nacionais para conter a destruição da mata.
É a primeira vez que se mede, de fato, um
efeito que já era conhecido. Basta olhar fotos de satélite ou mesmo sobrevoar
áreas em torno do Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, por exemplo, para
ver que a devastação é muito menor dentro do que fora dele. Havia, no entanto,
uma convicção difundida entre algumas correntes ambientalistas de que parques
eram melhores que reservas indígenas para proteger a biodiversidade. A nova
pesquisa prova que não é bem assim.
A base do estudo são imagens de satélite. Para
quantificar o efeito inibidor do desmatamento de um dos quatro tipos mais
importantes de reserva do País (parque, terra indígena, reserva extrativista ou
floresta nacional), pesquisadores de sete instituições brasileiras e americanas
compararam o desmatamento e a ocorrência de queimadas dos dois lados da linha
demarcatória de cada área. O método foi escolhido para diminuir o peso daquelas
reservas que, por ficarem muito longe da fronteira agrícola, só estão
preservadas por falta de pressão (atividades econômicas, como agricultura e
extração de madeira).
"A idéia de que muitos parques nos
trópicos existem somente "no papel" precisa ser reexaminada, assim
como a noção de que as terras indígenas são menos eficazes do que os parques na
proteção da natureza", afirmou o ecólogo Daniel Nepstad num comunicado do
Centro de Pesquisa de Woods Hole (Massachusetts, EUA). Ele é o autor principal
do estudo, ao lado de vários americanos e de Ane Alencar, geógrafa do Ipam
(Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma ONG de pesquisa de Belém, e
de Márcio Santilli e Alicia Rolla, do ISA (Instituto Socioambiental), de São Paulo.
É uma antiga controvérsia: reservas inabitadas
(parques) são mais eficazes que as habitadas ou aquelas que permitem alguma
exploração (terras indígenas, reservas extrativistas e florestas nacionais)? Os
autores concluem que não, e se apóiam em números.
Há cerca de 1 milhão de km2 de terras
indígenas (TIs) no Brasil, a maior parte na Amazônia. É muita terra: 1/5 da
floresta e metade de tudo que existe como área protegida. Foram consideradas no
estudo 121 TIs (40% do total de sua área na Amazônia), no caso do desmatamento,
e 87 TIs (35% da área total), no das queimadas.
Entraram na comparação 15 parques, 10 Resex
(reservas extrativistas) e 18 Flonas (florestas nacionais), na primeira
amostra, e 11 parques, 4 Resex e 12 Flonas, na segunda. Das imagens de satélite
extraíram-se dados sobre desmatamento numa faixa de 10 km de largura de cada
lado da fronteira da área protegida. No caso do fogo, as faixas foram mais
largas, de 20 km (as discrepâncias entre as duas amostras decorrem de minúcias
metodológicas, como a resolução espacial do satélite).
À primeira vista, os parques parecem proteger
mais contra desmatamento: comparando áreas sem cobertura registradas em 1997 e
2000, observou-se 20 vezes mais destruição na faixa de 10 km fora dos parques
do que na de dentro. Para TIs, o coeficiente não foi tão alto (8,2 vezes),
similar ao das Flonas (9,5 vezes). No quesito inibição de queimadas, as TIs se
saíram melhor: o coeficiente de pontos de fogo identificados por satélite foi
quase duas vezes mais positivo no caso das reservas indígenas do que na zona
equivalente em unidades de conservação.
A razão disso deve ser buscada na maior
pressão que sofrem as TIs, pois os parques em geral são criados pelo governo
federal longe das frentes agrícolas e madeireiras, como o de Tumucumaque -um
dos maiores do mundo, com 38.867 km2, mas nos confins da fronteira norte do
País. Já a TI Mãe Maria, dos índios gaviões (Pará), é cortada por uma rodovia
estadual e uma linha de transmissão elétrica e tem como vizinha a estrada de
ferro de Carajás.
Se quiser conter a sanha devastadora de
pecuaristas, madeireiros e sojicultores, parece que o melhor que o governo
federal tem a fazer é dar mais terra para os índios, porque sabem protegê-la.
Edinei Sena
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